domingo, 17 de maio de 2009

Ouro no portão



Um moço pobre ouviu dizer sobre um velho curandeiro que atribuía o sucesso de suas intervenções ao trabalho de almas do outro mundo. Ao que se dizia, o velho repassava as queixas deixando o diagnóstico por conta dos espíritos que indicavam o tratamento adequado. Era tiro e queda.

Outros males que não fosse a crônica falta de dinheiro não molestavam o rapaz. Tinha bom físico, boa memória, disposição para o trabalho e uma habilidade especial no trato com seus pares. Aos que duvidavam da mediunidade do velho curandeiro, dizia que os boatos tonificavam o folclore, o que era muito bom para a cultura popular. Aos que acreditavam nas maravilhas operadas pelo velho, dizia que seus testemunhos fortificavam as energias positivas que sustentavam o clima de paz e de saúde.

Pelo meio do ano tirou o moço um dia para ir ao velho curandeiro a quem, em audiência reservada, declarou que também ele ouvia vozes. Pediu sigilo. Disse que inicialmente não ligou uma coisa com outra, mas que aquele seu descaso o empobrecera ainda mais. Suas últimas safras fracassaram uma após outra. Contou que semeou o feijão das águas em dezembro, houve uma vegetação excessiva em detrimento da produtividade. Semeou o feijão da seca em janeiro e também não colheu quase nada.

-- E o que dizem as vozes? – perguntou o velho ocultando certo despeito uma vez que ele mesmo jamais ouvira voz alguma.

-- Insistem em que eu vá ao portão e cave junto ao pé do mourão. E insistem em que isso tudo fique em segredo.

Conhecedor dos costumes antigos o velho curandeiro lembrou que no passado houve quem enterrasse ouro e prata em potes de barro. Ao passar para o outro mundo o apego aos bens materiais mantinha a alma presa ao pote, martirizando-a terrivelmente. De alguma forma alguém do mundo dos vivos devia desenterrar o tesouro e fazer bom uso daqueles recursos. Era preciso desenterrar o pote em noite de escuridão absoluta.

-- Sozinho, não vou! – disse o moço esconjurando a idéia de se defrontar com almas de outro mundo em noite de escuridão.

-- Então vamos juntos! – disse resoluto o curandeiro.

-- Mas... As vozes pedem segredo. – lembrou o rapaz.

-- Eu é que não vou contrariar as almas contando sobre o pote. – garantiu o velho.

Ficou acertado entre ambos que em noite apropriada iriam furtivamente ao portão, munidos de enxadão para o resgate do tesouro. E assim aconteceu.

Depois de cavarem em dois ou três lugares junto aos moirões de meia dúzia de portões, deram de fato com um pote de barro contendo carvão. Noite escura. Silêncio absoluto. Cavando ao redor do pote o liberaram para ser retirado do buraco. Curiosidade quanto ao conteúdo e alegria contida pelo achado que devia valer uma fortuna. Assim que pegaram firme na borda do pote, vieram vespas e os ferroaram.

-- Vespas não voam à noite. – disse o velho entre maravilhado e assustado.

-- Não! Não voam mesmo. – concordou o moço.

-- Pois então o falecido está aqui guardando o pote.

-- Cruz credo!

-- Vamos tirar o pote. Por baixo do carvão há ouro!

De fato. Ameaçava amanhecer. Retirado o pote, fizeram uma pequena fogueira. O rapaz retirou a camada de carvão e entregou algumas moedas de ouro ao velho.

-- Por sua ajuda. – disse com ares de generosidade. – Mas lembre-se de guardar segredo.

Pondo o pote no colo, o moço montou em seu burro, despediu-se do velho curandeiro e desapareceu na noite escura.

Ocorreu que o velho curandeiro não guardou segredo do achado. A um e a outro contou sobre a aventura e fez prova da história exibindo as moedas de ouro.

E o rapaz que era pobre passou a ouvir vozes dos vivos.

-- Tenho aqui umas economias. Quero que guarde para mim.

-- Mas o senhor mesmo pode guardar seu dinheiro.

-- Posso. Mas fica mais seguro estando em suas mãos. E como você tem bastante não será difícil devolver caso eu venha precisar.

Em pouco tempo o rapaz que era pobre e zelava pelas economias de muitos de seus vizinhos, iniciou um negócio no ramo dos secos e molhados. Abriu uma venda onde vendia de tudo. Fez fortuna ao longo do tempo.

No cofre da venda permaneceu por muito tempo a nota de compra das moedas de ouro que ele deu ao velho curandeiro na noite em que desenterraram o pode de barro.

Para que o plano surtisse efeito era preciso guardar segredo sobre a origem das moedas. E ele fez isso. Nunca contou a ninguém, de sorte que todos acreditaram em que o pote continha um tesouro incalculável.

Naquele tempo os bancos eram raros.

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