sábado, 26 de setembro de 2009

Jante comigo esta noite.

Montagem reginaLU
Tubes de:
Aclis (paisagem)
Nikita (mulher)
Luz Cristina (homem)



JANTE COMIGO ESTA NOITE

Ela havia jurado que nunca mais sairia com os pais e naquele início de noite seguia irritada, obrigada a ceder. Vingara-se, entretanto, no modo de se vestir. E logo depois que eles chegaram ao imenso salão, ela não se conformou em permanecer à mesa vendo o pai tomar do wisk, puxando assuntos desinteressantes. Não! Ela achou um modo de sair e foi rodear a churrasqueira.

Os discursos enfadonhos começaram logo depois da chegada do governador. Quando o homem chegou houve aquele burburinho, as pessoas se puseram em pé, riram e aplaudiram. Enquanto o governador permanecesse no salão estaria se esforçando para descer de seu pedestal mostrando-se um homem comum. E no sentido contrário os outros, cada um ao seu modo, estariam se esforçando para que os outros os vissem elevados às alturas, participando da mesa do mandatário.

Sem o menor interesse pelo que pudesse haver naquele salão ela arrumou uma desculpa e dispondo-se a brincar com uma criança saiu para o jardim. Foi quando pela primeira vez pôs os olhos sobre aquele moço. Ele não disse nada. Apenas olhou e permaneceu em pé. Ela passou por ele. Passou segurando na mãozinha da criança a quem agora usou como quem se apóia em uma muleta emocional. O coração estava batendo forte, uma sensação estranha a dominava. Depois que passou por ele segurou a vontade de olhar. Queria ter um comportamento natural, mas suas reações não estavam sendo comandadas por sua mente . Até no modo de falar com a criança sentia que todas as suas atitudes brotavam de uma incontrolável vontade de chamar a atenção sobre si.

A noite estava bonita. Ela, intranqüila, andou conversando em voz alta e excitada com a criança que mal sabia falar. Sentou-se finalmente em um dos bancos de ferro deixando a criança brincar sobre as pedrinhas brancas. – Que ódio! Ele não virá!

Não foi mesmo. Do banco ela viu quando a moça se aproximou dele, houve um beijo no rosto, um sorriso, um dedo de prosa. E juntos desapareceram daquela porta imensa que dava acesso ao jardim.

Ela queria morrer.

Voltou ao salão, deixou a criança com alguém e foi perguntar à mãe sobre quando voltariam para casa. E lá estava o rapaz, em pé, sem a moça, conversando com o pai dela.

O pai a chamou.

-- A chance que você queria para seu estágio. – disse-lhe o pai. – ele tem acesso à moça que chefia o cerimonial.

O rapaz sorriu para ela. Um sorriso, um aceno. Um olhar discretíssimo que, no entanto, a perturbou ainda mais. Ela não soube o que dizer, nem ele. Mas assim como ela viu nitidamente que ele estava bem vestido, com as unhas feitas e levemente perfumado, também ele certamente a viu naquelas roupas inadequadas para o ambiente, destituída de adornos, descuidada e feia.

Nos próximos dias ela passou por diversos corredores até que finalmente sentou-se diante da psicóloga para a entrevista. Precisou explicar os motivos que a levaram a escolher a faculdade de jornalismo. De onde havia tirado a idéia de percorrer a África. E tantas outras questões sobre as quais nunca havia pensado a fundo.

A moça que chefiava o cerimonial era a mesma a quem ela havia visto aproximar-se do moço de unhas bem feitas e sorriso danado. Aquele o dos olhos bonitos. A moça que chefiava o cerimonial falava sempre com ele pelo telefone. Eles dois tinham a bem dizer todo o controle sobre todos os passos do governador.

Depois de seis meses de estágio ela foi transferida, deixou o cerimonial. Começou a trabalhar no palácio, lotada no gabinete do vice-governador. E depois de várias semanas intermináveis, pontilhadas por encontros ocasionais no interior do palácio, com chance apenas para a troca de olhares, o moço formulou o convite para um jantar.

Maneira esquisita de formular tal convite. Ele entregou-lhe um cartão sobre o qual escrevera:

-- Jante comigo esta noite.

Ela não sabia o que fazer. Se chorar ou sorrir. Faltava-lhe o chão onde pisar. Vestiu o que de melhor havia em seu guarda roupa, arrumou os cabelos, perfumou-se. Foi um jantar inesquecível, em um restaurante de hotel de luxo.

O namoro durou dois anos, prolongando-se, portanto, além do tempo que ela permaneceu no estágio. Ele era educado, bom, atencioso, gostava muito dela, mas seu tempo era alugado ao gabinete do governador e a função que exercia o expunha a todos os olhos femininos mais famintos. Ela morria de ciúmes.

Quando o governador trocou de trono foi se sentar em uma ponta de mesa no senado. E ele também foi morar em Brasília. Ela estava quase se formando em jornalismo. Os encontros entre os dois ocorriam com a ajuda de uma tela de computador. Ela morria por ele. Ele estava morto por ela.

E apareceram outras pessoas. E ela se sentiu atraída por outras estampas.

Formada em jornalismo ela nunca foi à África.

Doce, gentil, disposto a receber a todos que o procuram, ele nunca mais encontrou olhos iguais aos dela, nem jamais deixou a mulher alguma um cartão contendo as inscrições ‘jante comigo esta noite’.

A vida faz dessas brincadeiras com muita frequência. Separa duas pessoas que mutuamente se amam. E faz isso por birra, desejando irritar escritores que escrevem contos de amor com finais felizes.

Vez por outra a brincadeira machuca bastante.








(Escrito para 'Meu Caderno de Capa de Pano")

terça-feira, 15 de setembro de 2009

EM NOSSA CASA HAVIA UMA JANELA

Em nossa casa
havia uma janela.
Por causa dela
uma cortina eu fui comprar.

Minha menina
tem sensíveis as retinas.
Os olhos dela
o Sol vinha machucar.

Não, meu senhor!
Isso nunca foi amor!
Estando longe de amar
eu me contento em adorar.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Se eu pudesse



SE EU PUDESSE

Se eu pudesse
extinguiria suas dores.
E colorindo os seus amores
ajudaria em seu crescer.

Mas, como vê,
só o que posso é lhe adorar.
Dar minha vida por você.
E nunca lhe fazer chorar.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Sabe com quem você se parece?




SABE COM QUEM VOCÊ SE PARECE?


Sabe com quem
você se parece?
Em minha prece
há um anjo
que desce
e abençoa meu pão.

Você também,
quando chega,
me aquece.
Minha alma
se esquece
que há provação.

Você é meu anjo adorado.
Meu bem, meu pecado.
Meu céu cá no chão.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Olha! Que noite!

OLHA! QUE NOITE!

Olha! Que noite!
Que céu tão bonito!
Vem lá do infinito
a energia que faz
a gente querer,
amar e crescer,
viver novamente
o romance da gente
das noites de paz.

Mas sigo sozinho.
Só em meu jardim.
Na noite tão bela
só pensando nela
que esqueceu de mim.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Afinidade



Afinidade é um dos poucos sentimentos que resistem ao tempo e ao depois. A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos. É o mais independente também.

Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades. Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto no exato ponto em que foi interrompido.

Ter afinidade é muito raro. Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar. Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas.

Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam. É ficar conversando sem trocar palavras. É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento. Não é sentir nem sentir contra... Nem sentir para... Nem sentir por.... Nem sentir pelo.

Afinidade é sentir com. Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.

É olhar e perceber. É mais calar do que falar, ou, quando falar, jamais explicar: apenas afirmar. Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças. É conversar no silêncio, tanto nas possibilidades exercidas quanto das impossibilidades vividas. Afinidade é retomar a relação no ponto em que parou sem lamentar o tempo de separação. Porque tempo e separação nunca existiram. Foram apenas oportunidades dadas (tiradas) pela vida."

Artur da Távola