quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Paralelas








PARALELAS

(texto de Avelino Fernando Menck)
(Gentilmente cedido para Venturas do Viver)

Escrever...escrever...

Não havia muros na cidade que não tivesse recebido diferentes borrões de tinta. Adorava fazer isso em seus momentos de fuga da realidade.

Mestre de obras. Quarenta anos. Tranquilo. Não bebia, não fumava. Era de casa para o trabalho, do trabalho para casa. Não respeitava feriados. Aos domingos imaginava novas plantas. Por que não a de seu futuro lar?

Não podia ver paredes ou muros recentemente pintados. Era um convite ao seu passatempo preferido. Gostaria de ser um bom grafiteiro. Pintaria coisas do outro mundo! Seria reconhecido como um dos melhores! Mas, onde a arte?

Guapa bonita. Vinte e cinco anos. Ele a conhecera em uma lanchonete onde ela trabalhava há algum tempo. Sempre o servia nas vezes em que ele, ocasionalmente, procurava por lanches rápidos pois o trabalho não lhe permitia perda de tempo. Precisava construir.

Secretária boa e eficiente ele a tinha. Assinava muitos documentos sem ler, tal
era o grau de segurança no trabalho desenvolvido por ela. O trabalho - dela- era estafante. O tempinho que ele tinha, andava pela cidade a ver as novidades: muros e paredes limpinhos.

Suas horas de folga ele agora as consumia na companhia de tão doce namorada a quem mostrava todos os seus projetos, incluindo aquele que construía, talvez para ela. E pensava:" Vou construir a minha, na felicidade dela...muito bom".

Certa manhã acordou com um tumulto na rua. "Ainda bem que pegaram o moleque". "Que cara! Pichando coisas obscenas!" "Se fosse meu filho além de apanhar, teria que pintar tudo novamente". Deveria haver uma lei que proibisse tais atos" " Pois é nosso prefeito é um "bundão" - emendou alguém da oposição.

Não demorou nada e o casamento se consumou, respeitadas as normas dos proclamas.
Felicidade!
"Vou edificar minha felicidade, no conforto dela" - dizia aos poucos amigos. " muito bom" - respondiam-lhe. Meses de ternura e intenso amor.

Aquela noite veio-lhe lembrança de seus desesseis/desesste anos. Surgiu em sua mente a antiga namorada, seu primeiro amor, que lhe ensinara a arte de pichar. Peripécias mil na arte! Aonde andaria! Ah saudades! Bons tempos! Esperou a madrugada chegar e saiu.

Naquela tarde a saudade apertou. Voltou mais cedo para casa querendo fazer surpresa agradável, entrou sem fazer barulho. Risos no quarto. Um voz masculina se misturava a dela.

Indgnaçao.

Não fez escândalo. Não era de seu feitio. Foi ao bar.
Tinta na mão.
Diferentes cores.

Sabia qual fachada a ser pichada. A prefeitura. Muros e paredes pintadinhos de branco. Parecia ouvir as palavras da ex-namorada. "Isso...agora faz o sol...lindo!..Flores, é primavera..." Febrilmente executava a tarefa.
Bebeu. Bebeu muito.

Ao voltar para casa, ela já o esperava apreensiva. Ele nunca chegara tão tarde. Serviu o jantar, dirigu-se à alcova. Ele bebia da garrafa que levara e cantarolava " O João de barro pra ser feliz como eu. "

Atrás da porta, uma picareta. Instrumento do trabalho.

No peito.

Um golpe só.

Discou 190.
Quase manhã. Estava pondo assinatura no maravilhoso trabalho. "Saudoso". Prestes a grafar "oso", ouviu uma voz conhecida e gelou."

-- Mas... ora veja senhor prefeito. O senhor fazendo estas artes!

A secretária discou 190 e botou a boca no mundo.

domingo, 12 de setembro de 2010

Prece de Gandhi



PRECE DE GANDHI


(Texto de Mahatma Gandhi)



Se eu pudesse deixar algum presente a vocês,
deixaria acesso ao sentimento
de amar a vida dos seres humanos.

A consciência de aprender tudo
o que já foi ensinado pelo tempo afora.

Lembraria os erros que foram cometidos
para que não mais se repetissem.

A capacidade de escolher novos rumos.

Deixaria a vocês, se pudesse,
o respeito àquilo que é indispensável:
além do pão, o trabalho,
além do trabalho, a ação.

E quando tudo o mais faltasse, um segredo:
o de buscar em si mesmo a resposta e a força
para encontrar a saída.

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(música interpretada por Mercedes Sosa e Beth Carvalho)




Eu só peço a Deus
Que a dor não me seja indiferente.
Que a morte não me encontre um dia
solitário sem ter feito o que eu queria.

Eu só peço a Deus
Que a injustiça não me seja indiferente.
Pois não posso dar a outra face
se já fui machucado brutalmente.
Eu só peço a Deus
Que a guerra não me seja indiferente.
É um monstro grande, pisa forte
toda pobre inocência dessa gente.

Eu só peço a Deus
Que a mentira não me seja indiferente.
Se um só traidor tem mais força do que um povo
que esse povo não esqueça facilmente.

Eu só peço a Deus
Que o futuro não me seja indiferente.
Sem ter que fugir desenganado
pra viver uma cultura diferente.


sábado, 11 de setembro de 2010

Pistas




PISTAS

(Texto de Avelino Fernando Menck)
(Gentilmente cedido para Venturas do Viver)


Acordou sozinho no hospital. Cabeça enfaixada, braço e perna engessados. Um estrago considerável. Na mão livre sua carteira e um bilhete "Na próxima não seja tão afoito. Levei trezentos pela peça rasgada". À medida que o efeito das anestesias e drogas passava, ele recordava o incidente.

Naquela manhã, acordara sentido um suave perfume que não lhe era muito familiar. Sobre sua cabeça, pequena peça de roupa rendada, parte superior de sensual pijama feminino. Aspirou mais uma vez o perfume esfregando-a pelo rosto e só então percebeu que estava sem companhia
Sentou na cama espreguiçando-se, e, dirigindo o olhar para a porta do quarto, como se a procurasse, deparou com a parte inferior do pijama pendurado na maçaneta. Levantou-se, apanhou a peça levando-a de encontro ao peito. Só então percebeu sua nudez.

Abriu a porta, um soutien de levíssimo tecido descansava no corredor não muito longo. Caminhou até ele e, brincando, colocou a alças nos ombros como se o vestisse.O perfume ainda impregnado na peça inebriou-o mais uma vez. Fechou os olhos sonhando.

No chão, em frente à porta entreaberta do banheiro, a última peça: branca, transparente e pequena. Uma voz cantarolava "When I need you" e ouvia-se o ruído relaxante da água que enchia a banheira.

Abriu a porta vagarosamente e a viu, totalmente imerso em espumas, apenas o belo rosto à flor da água. "Entre amor, estava te esperando". Foi a última coisa que ouviu antes do escorregão.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Celular! Ah! Meu celular.



Celular! Ah! Meu celular

(texto de Avelino Fernando Menck)
(Gentilmente cedido Venturas do Viver)


Todo dia encontro-a na rua, feliz. Queria dizer-lhe alguma coisa. Um bom dia talvez! Porém, mudo de calçada para não constrangê-la com meu olhar suplicante.
Confesso. Estou triste! Hoje não a vi. Nunca imaginei que ela me fizesse tanta falta. Estará doente?! Ou mudou o trajeto? Outra rua talvez! Queria tanto vê-la, mesmo à distância. Pode ter antecipado sua caminhada para me evitar?
O desencontro me abala. Ah! Se eu soubesse o celular!
Já em casa ouço músicas: I don´t want to talk about it, Just tell me you love me,Bed of roses. Sonhos. Vejo-me em um grande salão dançando com ela de roso colado. Minha mão direita descansa em seu dorso desprotegido até a metade. A esquerda, sob seus longos cabelos aproxima seu lindo rosto contra o meu e sinto o suave perfume que a fresca pele de seus ombros desnudos exala.Palavras? Nenhuma.Só o pensamento viaja.
Imaginem...Whem a man loves a woman. Minha mão passeia por seus ombros nus.Ela aperta meu antebraço suavemente..."Suave é a noite". Nossas mãos, entrelaçados os dedos, se encontram e carinhosamente nos entregamos a devaneios. "Feelings" Nossos olhares se cruzam.Lindos olhos castanhos claros. Às vezes esverdeados. Ela entrelaça meu pescoço com ambas as mãos. As minhas? Bem, as minhas, trêmulas, cingem sua cintura. "Feelings"... Últimos acordes. Olhos semi-cerrados, ela me oferece os tão desejados lábios. Nosso primeiro pacto de amor? Meu coração treme como se levasse um leve choque. Sua imagem desaparece de meus braços.
O celular, no bolso da camisa vibra. A mensagem:
" Não foge mais de mim...Eu também te amo!"