terça-feira, 23 de novembro de 2010

Haja o que houver ,sempre estarei ao seu lado.....

Na Romênia , um homem dizia sempre a seu filho:
 - Haja o que houver, eu sempre estarei a seu lado.

 Houve, nesta época um terremoto de intensidade muito grande, que quase alisou as
 construções lá existentes nesta época. Estava nesta hora este homem em uma estrada.

 Ao ver o ocorrido, correu para casa e verificou que sua esposa estava bem, mas seu
 filho nesta hora estava na escola.
 Foi imediatamente para lá.

 E a encontrou totalmente destruída. Não restou, uma única parede de pé. Tomado de
 uma enorme tristeza. Ficou ali ouvindo, a voz feliz de seu filho e sua promessa
 (não cumprida), "Haja o que houver, eu estarei sempre a seu lado".

 Seu coração estava apertado e sua vista apenas enxergava a destruição. A voz de
 seu filho e sua promessa não cumprida, o dilaceravam.

 Mentalmente percorreu inúmeras vezes o trajeto que fazia diariamente segurando sua
 mãozinha. O portão (que não mais existia); corredor. Olhava as paredes, aquele rostinho
 confiante. Passava pela sala do 3º ano , virava o corredor e o olhava ao entrar.

 Até que resolveu fazer em cima dos escombros, o mesmo trajeto. Portão, corredor, virou
 a direita e parou em frente ao que deveria ser a porta da sala. Nada! Apenas uma pilha
 de material destruído. Nem ao menos um pedaço de alguma coisa que lembrasse a
 classe. Olhava tudo desolado.

 E continuava a ouvir sua promessa:
 "Haja o que houver, eu sempre estarei com você".

 E ele não estava... Começou a cavar com as mãos. Nisto chegaram outros pais, que
 embora bem intencionados, e também desolados, tentavam afastá-lo de lá dizendo:
 - Vá para casa. Não adianta, não sobrou ninguém.
 - Vá para casa.

 Ao que ele retrucava:
 - Você vai me ajudar?

 Mas ninguém o ajudava, pouco a pouco, todos se afastavam. Chegaram os policiais, que
 também tentaram retirá-lo dali, pois viam que não havia chance de ter sobrado ninguém
 com vida.
 Existiam outros locais com mais esperança. Mas este homem não esquecia sua promessa
 ao filho, a única coisa que dizia para as pessoas que tentavam retirá-lo de lá era:
 - Você vai me ajudar?

 Mas eles também o abandonavam. Chegaram os bombeiros, e foi a mesma coisa...
 - Saia daí, não está vendo que não pode ter sobrado ninguém vivo?

 Você ainda vai por em risco a vida de pessoas que queiram te ajudar pois continuam
 havendo explosões e incêndios.
 Ele retrucava :
 - Você vai me ajudar?
 - Você esta cego pela dor não enxerga mais nada.
 - Você vai me ajudar?

 Um a um todos se afastavam. Ele trabalhou quase sem descanso, apenas com pequenos
 intervalos mas não se afastava dali. 5h / 10h / 12h / 22h / 24h / 30h .
 Já exausto, dizia a si mesmo que precisava saber se seu filho estava vivo ou morto.
 Até que ao afastar uma enorme pedra, sempre chamando pelo filho ouviu:
 - Pai... estou aqui!

 Feliz fazia mais força para abrir um vão maior e perguntou:
 - Você esta bem?
 - Estou. Mas com sede, fome e muito medo.
 - Tem mais alguém com você?
 - Sim, da classe, 14 estão comigo estamos presos em um vão entre dois pilares.
 - Estamos todos bem.

 Apenas conseguia ouvir seus gritos de alegria.
 - Pai, eu falei a eles: Vocês podem ficar sossegados, pois meu pai irá nos achar.
 - Eles não acreditavam, mas eu dizia a toda hora...
 - Haja o que houver, meu pai, estará sempre a meu lado.
 - Vamos, abaixe-se e tente sair por este buraco .
 - Não! Deixe eles saírem primeiro...
 - Eu sei; que haja o que houver...
 - Você estará me esperando!

                          (autor desconhecido)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Enquanto houver sol...



Quando não houver saída
Quando não houver mais solução
Ainda há de haver saída
Nenhuma idéia vale uma vida...
Quando não houver esperança
Quando não restar nem ilusão
Ainda há de haver esperança
Em cada um de nós
Algo de uma criança...
Enquanto houver sol...

Ainda haverá
Enquanto houver sol
Enquanto houver sol...
Quando não houver caminho
Mesmo sem amor, sem direção
A sós ninguém está sozinho
É caminhando
Que se faz o caminho...
Quando não houver desejo
Quando não restar nem mesmo dor
Ainda há de haver desejo
Em cada um de nós
Aonde Deus colocou...
Composição: Sérgio Britto

sábado, 20 de novembro de 2010

Dormia algures


DORMIA ALGURES

Dormia algures, disseram-me algumas vezes. E eu não me lembro de uma única vez em que esse detalhe tenha instigado minha curiosidade.

Eu o percebia algumas vezes aluado a me saudar aos gritos, com palavras que denotavam bom humor e amizade. Era como se desejasse compartilhar seus momentos, seus passos na estrada do existir, se deixando levar de roldão pelas escolhas que em seu lugar fazia-lhe a vida.

E nem mesmo essa impressão que dele eu tinha moveu-me a questionar os seus costumes. Ele existia, estava por ali algures. De um momento para outro eu podia vê-lo e responder às suas saudações, também com ares alegres, mas sem assumir compromissos.

Isso me bastava.

E aconteceu de me perguntar onde se alimentavam os cães de rua.

Onde mitigavam a sede? Onde se abrigavam da chuva?

Mas isso aconteceu em um momento em que meu coração se deixou levar por pena. Pena dos cães abandonados! Não era amor, era uma angústia apenas.

E então, assim sem mais nem menos, eu me dei conta da pobreza imensa de meus sentimentos para com aquele que aos gritos me saudava alegre. Eu percebi que podia me condoer com a má sorte dos cães, mas não me afetava o caminhar de um ser humano.

Um ser humano que visivelmente se alegrava pelo simples fato de me ver e de sentir minha existência.

 

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

SUTILMENTE...




E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
Quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
Quando eu estiver fogo
Suavemente se encaixe
E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
E quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
E quando eu estiver bobo
Sutilmente disfarce
Mas quando eu estiver morto
Suplico que não me mate, não
Dentro de ti, dentro de ti
Mesmo que o mundo acabe, enfim
Dentro de tudo que cabe em ti
Mesmo que o mundo acabe, enfim
Dentro de tudo que cabe em ti
E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
E quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
E quando eu estiver bobo
Sutilmente disfarce
Mas quando eu estiver morto
Suplico que não me mate, não
Dentro de ti, dentro de ti
Mesmo que o mundo acabe, enfim
Dentro de tudo que cabe em ti
Mesmo que o mundo acabe, enfim
Dentro de tudo que cabe em ti
Mesmo que o mundo acabe, enfim
Skank

Para refletir


.....

Naquela noite, enquanto minha esposa servia o jantar, eu segurei sua mão e disse: "Tenho algo importante para te dizer". Ela se sentou e jantou sem dizer uma palavra. Pude ver sofrimento em seus olhos.

De repente, eu também fiquei sem palavras. No entanto, eu tinha que dizer a ela o que estava pensando. Eu queria o divórcio. E abordei o assunto calmamente.
Ela não parecia irritada pelas minhas palavras e simplesmente  perguntou em voz baixa: "Por quê?"  Eu evitei respondê-la, o que a deixou muito brava. Ela jogou os talheres longe e gritou "você não é homem!" Naquela noite, nós não conversamos mais. Pude ouví-la chorando. Eu sabia que ela queria um motivo para o fim do nosso casamento. Mas eu não tinha uma resposta satisfatória para esta pergunta. O meu coração não pertencia a ela mais e sim  a Jane. Eu simplesmente não a amava mais, sentia pena dela.

Me sentindo muito culpado, rascunhei um acordo de divórcio, deixando para ela a casa, nosso carro e 30% das ações da minha empresa.

Ela tomou o papel da minha mão e o rasgou violentamente. A mulher com quem vivi pelos últimos 10 anos se tornou uma estranha para mim. Eu fiquei com dó deste desperdício de tempo e energia mas eu não voltaria atrás do que disse, pois amava a Jane profundamente. Finalmente ela começou a chorar alto na minha frente, o que já era esperado. Eu me senti libertado enquanto ela chorava. A minha obsessão por divórcio nas últimas semanas finalmente se materializava e o fim estava mais perto agora.
No dia seguinte, eu cheguei em casa tarde e a encontrei sentada na mesa escrevendo. Eu não jantei, fui direto para a cama e dormi imediatamente, pois estava cansado depois de ter passado o dia com a Jane.

Quando acordei no meio da noite, ela ainda estava sentada à mesa, escrevendo. Eu a ignorei e voltei a dormir.
Na manhã seguinte, ela me apresentou suas condições: ela não queria nada meu, mas pedia um mês de prazo para conceder o divórcio. Ela pediu que durante os próximos 30 dias a gente tentasse viver juntos de forma mais natural possivel. As suas razões eram simples: o nosso filho faria seus examos no próximo mês e precisava de um ambiente propício para prepar-se bem, sem os problemas de ter que lidar com o rompimento de seus pais.
Isso me pareceu razoável, mas ela acrescentou algo mais. Ela me lembrou do momento em que eu a carreguei para dentro da nossa casa no dia em que nos casamos e me pediu que durante os próximos 30 dias eu a carregasse para fora da casa todas as manhãs. Eu então percebi que ela estava completamente louca mas aceitei sua proposta para não tornar meus próximos dias ainda mais intoleráveis.
Eu contei para a Jane sobre o pedido da minha esposa e ela riu muito e achou a idéia totalmente absurda. "Ela pensa que impondo condições assim vai mudar alguma coisa; melhor ela encarar a situação e aceitar o divórcio" ,disse  Jane em tom de gozação.

Minha esposa e eu não tínhamos nenhum contato físico havia muito tempo, então quando eu a carreguei para fora da casa no primeiro dia, foi totalmente estranho. Nosso filho nos aplaudiu dizendo "O papai está carregando a mamãe no colo!" Suas palavras me causaram constrangimento. Do quarto para a sala, da sala para a porta de entrada da casa, eu devo ter caminhado uns 10 metros carregando minha esposa no colo. Ela fechou os olhos e disse baixinho "Não conte para o nosso filho sobre o divórcio" Eu balancei a cabeça mesmo discordando e então a coloquei no chão assim que atravessamos a porta de entrada da casa. Ela foi pegar o ônibus para o trabalho e eu dirigi para o escritório.
No segundo dia, foi mais fácil para nós dois. Ela se apoiou no meu peito, eu senti o cheiro do perfume que ela usava. Eu então percebi que há muito tempo não prestava atenção a essa mulher. Ela certamente tinha envelhecido nestes últimos 10 anos, havia rugas no seu rosto, seu cabelo estava ficando fino e grisalho. O nosso casamento teve muito impacto nela. Por uns segundos, cheguei a pensar no que havia feito para ela estar neste estado.
No quarto dia, quando eu a levantei, senti uma certa intimidade maior com o corpo dela. Esta mulher havia dedicado 10 anos da vida dela a mim.
No quinto dia, a mesma coisa. Eu não disse nada a Jane, mas ficava a cada dia mais fácil carregá-la do nosso quarto à porta da casa. Talvez meus músculos estejam mais firmes com o exercício, pensei.
Certa manhã, ela estava tentando escolher um vestido. Ela experimentou uma série deles mas não conseguia achar um que servisse. Com um suspiro, ela disse "Todos os meus vestidos estão grandes para mim". Eu então percebi que ela realmente havia emagrecido bastante, daí a facilidade em carregá-la nos últimos dias.
A realidade caiu sobre mim com uma ponta de remorso... ela carrega tanta dor e tristeza em seu coração..... Instintivamente, eu estiquei o braço e toquei seus cabelos.
Nosso filho entrou no quarto neste momento e disse "Pai, está na hora de você carregar a mamãe". Para ele, ver seu pai carregando sua mão todas as manhãs tornou-se parte da rotina da casa. Minha esposa abraçou nosso filho e o segurou em seus braços por alguns longos segundos. Eu tive que sair de perto, temendo mudar de idéia agora que estava tão perto do meu objetivo. Em seguida, eu a carreguei em meus braços, do quarto para a sala, da sala para a porta de entrada da casa. Sua mão repousava em meu pescoço. Eu a segurei firme contra o meu corpo. Lembrei-me do dia do nosso casamento.
Mas o seu corpo tão magro me deixou triste. No último dia, quando eu a segurei em meus braços, por algum motivo não conseguia mover minhas pernas. Nosso filho já tinha ido para a escola e eu me vi pronunciando estas palavras: "Eu não percebi o quanto perdemos a nossa intimidade com o tempo".
Eu não consegui dirigir para o trabalho.... fui até o meu novo futuro endereço, saí do carro apressadamente, com medo de mudar de idéia...Subi as escadas e bati na porta do quarto. A Jane abriu a porta e eu disse a ela "Desculpe, Jane. Eu não quero mais me divorciar".
Ela olhou para mim sem acreditar e tocou na minha testa "Você está com febre?" Eu tirei sua mão da minha testa e repeti "Desculpe, Jane. Eu não vou me divorciar. Meu casamento ficou chato porque nós não soubemos valorizar os pequenos detalhes da nossa vida e não por falta de amor. Agora eu percebi que desde o dia em que carreguei minha esposa no dia do nosso casamento para nossa casa, eu devo segurá-la até que a morte nos separe.
A Jane então percebeu que era sério. Me deu um tapa no rosto, bateu a porta na minha cara e pude ouví-la chorando compulsivamente. Eu voltei para o carro e fui trabalhar.
Na loja de flores, no caminho de volta para casa, eu comprei um buquê de rosas para minha esposa. A atendente me perguntou o que eu gostaria de escrever no cartão. Eu sorri e escrevi:  "Eu te carregarei em meus braços todas as manhãs até que a morte nos separe".

Naquela noite, quando cheguei em casa, com um buquê de flores na mão e um grande sorriso no rosto, fui direto para o nosso quarto onde encontrei minha esposa deitada na cama - morta.
Minha esposa estava com câncer e vinha se tratando a vários meses, mas eu estava muito ocupado com a Jane para perceber que havia algo errado com ela. Ela sabia que morreria em breve e quis poupar nosso filho dos efeitos de um divórcio - e prolongou a nossa vida juntos proporcionando ao nosso filho a imagem de nós dois juntos toda manhã. Pelo menos aos olhos do meu filho, eu sou um marido carinhoso.
Os pequenos detalhes de nossa vida são o que realmente contam num relacionamento.

Autor desconhecido


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Reecontro

REENCONTRO

(Texto de Avelino F Menck)
Gentilmente cedido para Venturas do Viver)

Subia apressadamente a rua em direção à Sabesp. O aclive em curva ainda é bem acentuado. À medida que andava, vinham-lhe à mente recordações do tempo de adolescência. A única piscina da cidade, a do Dr. Arruda tão bem cuidada pelo sr Romão, ficava perto de onde ele estava.

Com o sr. Romão, as lembranças de um incidente: brincando na piscina, a imagem vem-lhe bem clara,salvara a vida de uma menina, também, adolescente. Linda menina, mas o nome não lembrava, só que era "de fechar o comércio" como se dizia à época.

Tentou apagá-las pois não havia tempo para isso. Tinha uma obrigação, hora marcada, por isso a pressa. Contudo, a emoção provocada foi muito forte.

A garganta ressequida, muito calor, a dor repentina, o braço já um tanto dormente. Seu médico já o avisara: "O coração já não anda lá essas coisas! Cuidado!"

O trabalho. A hora. Atrasado.

Solteiro vivia só desde que perdera os pais. Não se cuidava. Não tinha o porquê! Mas a dor! Esta aumentava naquele momento. "Dói, coração!Calejado...mas humano" dizia para si. A falta de ar. O peito arrebentando. O antebraço latejando muito. Sentou-se na calçada. Já não enxergava mais nada. Parecia ouvir vozes muito ao longe. Seriam sirenes?

Acordou em lugar completamente estranho. Uma mulher de branco. Uma vaga lembrança. Seria Médica?

— "Não se recorda de mim, Padre"?

"Padre"...poucos o chamavam assim na juventude. Fora coroinha no tempo do Padre Celso, daí o cognome. Mas ela, ela sim, sempre o chamara pelo apelido.

"Heliena! menina que salvara na piscina. Sua eterna paixão. A neta do Sr. Romão!

Felizes, riram muito ,e, entre recordações e carinhos: abraços e muitos beijos.

O fim de um longo celibato.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Seu “ Bau”

SEU 'BAU'

(Texto de Avelino Fernando Menck para Venturas do Viver)

Ao Sr. Bráulio Camargo de Freitas, amigo da família

" E viva Getúlio Vargas"
Eram as palavras finais de Seu “Bau” após um grande discurso que às vezes, durava horas.
Diga-se que os pronunciamentos atuais de um Fidel ou de um Chaves, são semelhantes ao antigo palavreado daquele velho amigo.
Pedreiro de profissão. Vivia em nossa casa, no sítio, como agregado, às vezes fazendo-se de cozinheiro de meu pai quando minha mãe precisava ficar conosco na cidade.
Sempre bebia- (síndrome dos antigos profissionais?) e quando o fazia, iniciava as falas sempre em defesa de seu maior ídolo. .Ninguém quase o ouvia.
Mas, no dia 24 de Agosto de 1954 foi diferente.
Bêbado, em pé, no alto do calçadão em frente a estrada no antigo armazém de meu pai, encostado à parede, defendia mais uma vez o governo Vargas.No início, apenas eu o escutava e por isso chamou-me para perto de si, abraçou-me e sem que eu esperasse, deu-me um beijo na testa. Quis fugir, contudo, sentindo pena, ali permaneci ouvindo-o.
Em suas explanações explicava os atos do grande presidente: voto da mulher, a proibição do trabalho para o menor de 14 anos, a lei do salário mínimo, e, detalhava passo a passo os efeitos produzidos pela legislação trabalhista da época.
Em pouco tempo eu não era o único a ouvi-lo. Juntou-se a mim um pequeno amigo de folguedos, seu pai em seguida e mais um ouvinte e mais outros. Em meia hora aglomerava-se pequena platéia, cerca de vinte pessoas, que já impedíamos o tráfego na estreita estrada de terra que ligava S. Paulo ao norte do Paraná.
Parou o primeiro caminhão de transportes. Buzinou. As pessoas entorpecidas pelo palavreado do orador não saíram. Seu Bau bradava e ao mesmo tempo despejava lágrimas, lembrando também de seu irmão Lauri, pracinha da segunda guerra, o que comovia as pessoas que o ouviam
Parou outro caminhão em sentido contrário e mais um e outro e outro mais. Os motoristas desciam e se juntavam à pequena multidão e também o aplaudiam, comovidos pelo inusitado da cena.
Seu Bau discursava. Falava que falava e se emocionava contagiando a platéia que nunca fora tão numerosa até então.
Meu pai fechou as portas do armazém e se juntou a nós tentando entender como acontecera aquilo tudo. Seu João, funcionário no armazém, ficara para ouvir no velho rádio à bateria (carregada com energia eólica) as últimas notícias do dia. Em seguida, meio apavorado, juntou-se à multidão e anunciou: ”Bau, seu presidente suicidou-se esta madrugada”.
Percebi a lividez da face do velho homem que parara de falar e levantando os olhos para os céus balbuciou: ”Que Deus o tenha!”. Levou a mão direita ao peito, sobre o coração e com sua voz um tanto rouca começou a cantar o Hino Nacional, ato seguido por nós todos, até o finalzinho sem o menor deslize: ”...és mãe gentil. Pátria amada. Brasil!”
A emoção fora grande demais para aquele simples homenzinho.
Levou a outra mão também ao peito e num gemido muito forte tombou na calçada, já sem vida.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Marta


MARTA

Em nossa casa a primeira pessoa a pronunciar o nome de Marta foi minha mãe. Da janela, de onde me descrevia as alterações ao redor, disse que a frente da casa tinha agora a cor verde. Perguntei se gostaríamos do verde e ela, curvando-se ao meu lado, disse num sorriso triste:

— A casa foi alugada. A nova moradora nos mostrará se gostaremos ou não da nova cor.

— Quem alugou a casa?

— O nome dela é Marta!

Quase todas as informações eram colhidas no ponto de ônibus ou na mercearia. Nosso bairro era antigo, distante, e estava contaminado por uma febre que já havia levado dali os moradores tradicionais. Onde no passado os imigrantes jogaram os alicerces das primeiras casas de nossa cidade, as máquinas, aplainando, criaram um vasto campo desolado para a construção do aeroporto. Enfrentando um processo de desapropriação injusto os moradores arribaram para locais ainda mais distantes. Nós permanecemos ali porque minha mãe não queria morrer em outro lugar.

Minha irmã não havia voltado para a casa da patroa. Do quarto disse qualquer coisa que não entendi direito. Ela agredia resmungando e em geral muito zangada. Depois minha mãe disse a ela que talvez Marta soubesse que o bairro estava condenado. Teria alugado a casa por pouco tempo.

A patroa de minha irmã a cobria de mimos. Fazia dela a beneficiária das roupas da filha, quase sem uso, e a ela vendia pela metade do preço algumas utilidades ainda na embalagem original. Minha mãe tentava ensinar lealdade à minha irmã fazendo notar que não era justo vir por uma noite e não voltar ao trabalho na manhã seguinte. Dava de ombros, insistia em lembrar seu desejo de trabalhar no comércio, transformar-se em balconista, esquecer para sempre que fora doméstica. Eu torcia francamente por ela, o meu coração ficava bastante oprimido em razão daquela forma de pensar de minha mãe. A nossa lealdade para com os que possuíam alguma coisa nunca fora até então correspondida e embora a patroa de minha irmã fosse um tipo mão aberta, o seria enquanto lhe interessassem os préstimos da empregadinha. Eu também sonhava com o dia em que minha irmã pudesse ir linda para o trabalho, produzida como nas noites em que saia para dançar.

Marta estava produzida quando a vi pela primeira vez na moldura da porta de nossa casa. E esteve produzida todas as vezes que dali para frente a vi.

Apareceu mais amiúde depois que minha irmã deixou de vir por uma noite ou duas seguidas. Depois da segunda semana minha mãe se pôs aflita. Marta saiu com ela dali para frente enquanto havia esperança de encontrarem minha irmã em algum hospital, alguma delegacia de polícia, algum antro. Depois foi com minha mãe procurar por minha irmã no necrotério.

Marta apreciava o infinito. No imenso descampado feito pelas máquinas para a construção do aeroporto, punha-me no chão, sentava-se ao meu lado nas noites cálidas enfeitadas por estrelas. Dizia que muitos daqueles pontinhos de luz provinham de corpos luminosos que há milhares de anos já não existiam.

— Lá você está vendo uma coisa que não existe!

— Como não existe se estou vendo?

— Está vendo somente o efeito. Somente a luz que um dia se produziu no universo. A luz que por muito, muito tempo ainda, continuará orientando os caminhantes por terras e por mares.

Foi Marta quem mais se alegrou quando ganhei minha cadeira de rodas. Mais até do que minha mãe, que ao longo da vida o que mais fez foi chorar.

— Agora você pode aprender a usar as mãos movendo as rodas de sua liberdade de ir e vir – disse-me Marta ao me por sobre a cadeira.

E eu, que nasci sem minhas duas pernas, deixei de ser um toco de gente.

Ainda vejo Marta quando vejo o verde. Amo essa cor.

E ainda é a luz de Marta quem me orienta e conduz.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Paralelas








PARALELAS

(texto de Avelino Fernando Menck)
(Gentilmente cedido para Venturas do Viver)

Escrever...escrever...

Não havia muros na cidade que não tivesse recebido diferentes borrões de tinta. Adorava fazer isso em seus momentos de fuga da realidade.

Mestre de obras. Quarenta anos. Tranquilo. Não bebia, não fumava. Era de casa para o trabalho, do trabalho para casa. Não respeitava feriados. Aos domingos imaginava novas plantas. Por que não a de seu futuro lar?

Não podia ver paredes ou muros recentemente pintados. Era um convite ao seu passatempo preferido. Gostaria de ser um bom grafiteiro. Pintaria coisas do outro mundo! Seria reconhecido como um dos melhores! Mas, onde a arte?

Guapa bonita. Vinte e cinco anos. Ele a conhecera em uma lanchonete onde ela trabalhava há algum tempo. Sempre o servia nas vezes em que ele, ocasionalmente, procurava por lanches rápidos pois o trabalho não lhe permitia perda de tempo. Precisava construir.

Secretária boa e eficiente ele a tinha. Assinava muitos documentos sem ler, tal
era o grau de segurança no trabalho desenvolvido por ela. O trabalho - dela- era estafante. O tempinho que ele tinha, andava pela cidade a ver as novidades: muros e paredes limpinhos.

Suas horas de folga ele agora as consumia na companhia de tão doce namorada a quem mostrava todos os seus projetos, incluindo aquele que construía, talvez para ela. E pensava:" Vou construir a minha, na felicidade dela...muito bom".

Certa manhã acordou com um tumulto na rua. "Ainda bem que pegaram o moleque". "Que cara! Pichando coisas obscenas!" "Se fosse meu filho além de apanhar, teria que pintar tudo novamente". Deveria haver uma lei que proibisse tais atos" " Pois é nosso prefeito é um "bundão" - emendou alguém da oposição.

Não demorou nada e o casamento se consumou, respeitadas as normas dos proclamas.
Felicidade!
"Vou edificar minha felicidade, no conforto dela" - dizia aos poucos amigos. " muito bom" - respondiam-lhe. Meses de ternura e intenso amor.

Aquela noite veio-lhe lembrança de seus desesseis/desesste anos. Surgiu em sua mente a antiga namorada, seu primeiro amor, que lhe ensinara a arte de pichar. Peripécias mil na arte! Aonde andaria! Ah saudades! Bons tempos! Esperou a madrugada chegar e saiu.

Naquela tarde a saudade apertou. Voltou mais cedo para casa querendo fazer surpresa agradável, entrou sem fazer barulho. Risos no quarto. Um voz masculina se misturava a dela.

Indgnaçao.

Não fez escândalo. Não era de seu feitio. Foi ao bar.
Tinta na mão.
Diferentes cores.

Sabia qual fachada a ser pichada. A prefeitura. Muros e paredes pintadinhos de branco. Parecia ouvir as palavras da ex-namorada. "Isso...agora faz o sol...lindo!..Flores, é primavera..." Febrilmente executava a tarefa.
Bebeu. Bebeu muito.

Ao voltar para casa, ela já o esperava apreensiva. Ele nunca chegara tão tarde. Serviu o jantar, dirigu-se à alcova. Ele bebia da garrafa que levara e cantarolava " O João de barro pra ser feliz como eu. "

Atrás da porta, uma picareta. Instrumento do trabalho.

No peito.

Um golpe só.

Discou 190.
Quase manhã. Estava pondo assinatura no maravilhoso trabalho. "Saudoso". Prestes a grafar "oso", ouviu uma voz conhecida e gelou."

-- Mas... ora veja senhor prefeito. O senhor fazendo estas artes!

A secretária discou 190 e botou a boca no mundo.

domingo, 12 de setembro de 2010

Prece de Gandhi



PRECE DE GANDHI


(Texto de Mahatma Gandhi)



Se eu pudesse deixar algum presente a vocês,
deixaria acesso ao sentimento
de amar a vida dos seres humanos.

A consciência de aprender tudo
o que já foi ensinado pelo tempo afora.

Lembraria os erros que foram cometidos
para que não mais se repetissem.

A capacidade de escolher novos rumos.

Deixaria a vocês, se pudesse,
o respeito àquilo que é indispensável:
além do pão, o trabalho,
além do trabalho, a ação.

E quando tudo o mais faltasse, um segredo:
o de buscar em si mesmo a resposta e a força
para encontrar a saída.

----------- 000000000 ---------------




(música interpretada por Mercedes Sosa e Beth Carvalho)




Eu só peço a Deus
Que a dor não me seja indiferente.
Que a morte não me encontre um dia
solitário sem ter feito o que eu queria.

Eu só peço a Deus
Que a injustiça não me seja indiferente.
Pois não posso dar a outra face
se já fui machucado brutalmente.
Eu só peço a Deus
Que a guerra não me seja indiferente.
É um monstro grande, pisa forte
toda pobre inocência dessa gente.

Eu só peço a Deus
Que a mentira não me seja indiferente.
Se um só traidor tem mais força do que um povo
que esse povo não esqueça facilmente.

Eu só peço a Deus
Que o futuro não me seja indiferente.
Sem ter que fugir desenganado
pra viver uma cultura diferente.


sábado, 11 de setembro de 2010

Pistas




PISTAS

(Texto de Avelino Fernando Menck)
(Gentilmente cedido para Venturas do Viver)


Acordou sozinho no hospital. Cabeça enfaixada, braço e perna engessados. Um estrago considerável. Na mão livre sua carteira e um bilhete "Na próxima não seja tão afoito. Levei trezentos pela peça rasgada". À medida que o efeito das anestesias e drogas passava, ele recordava o incidente.

Naquela manhã, acordara sentido um suave perfume que não lhe era muito familiar. Sobre sua cabeça, pequena peça de roupa rendada, parte superior de sensual pijama feminino. Aspirou mais uma vez o perfume esfregando-a pelo rosto e só então percebeu que estava sem companhia
Sentou na cama espreguiçando-se, e, dirigindo o olhar para a porta do quarto, como se a procurasse, deparou com a parte inferior do pijama pendurado na maçaneta. Levantou-se, apanhou a peça levando-a de encontro ao peito. Só então percebeu sua nudez.

Abriu a porta, um soutien de levíssimo tecido descansava no corredor não muito longo. Caminhou até ele e, brincando, colocou a alças nos ombros como se o vestisse.O perfume ainda impregnado na peça inebriou-o mais uma vez. Fechou os olhos sonhando.

No chão, em frente à porta entreaberta do banheiro, a última peça: branca, transparente e pequena. Uma voz cantarolava "When I need you" e ouvia-se o ruído relaxante da água que enchia a banheira.

Abriu a porta vagarosamente e a viu, totalmente imerso em espumas, apenas o belo rosto à flor da água. "Entre amor, estava te esperando". Foi a última coisa que ouviu antes do escorregão.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Celular! Ah! Meu celular.



Celular! Ah! Meu celular

(texto de Avelino Fernando Menck)
(Gentilmente cedido Venturas do Viver)


Todo dia encontro-a na rua, feliz. Queria dizer-lhe alguma coisa. Um bom dia talvez! Porém, mudo de calçada para não constrangê-la com meu olhar suplicante.
Confesso. Estou triste! Hoje não a vi. Nunca imaginei que ela me fizesse tanta falta. Estará doente?! Ou mudou o trajeto? Outra rua talvez! Queria tanto vê-la, mesmo à distância. Pode ter antecipado sua caminhada para me evitar?
O desencontro me abala. Ah! Se eu soubesse o celular!
Já em casa ouço músicas: I don´t want to talk about it, Just tell me you love me,Bed of roses. Sonhos. Vejo-me em um grande salão dançando com ela de roso colado. Minha mão direita descansa em seu dorso desprotegido até a metade. A esquerda, sob seus longos cabelos aproxima seu lindo rosto contra o meu e sinto o suave perfume que a fresca pele de seus ombros desnudos exala.Palavras? Nenhuma.Só o pensamento viaja.
Imaginem...Whem a man loves a woman. Minha mão passeia por seus ombros nus.Ela aperta meu antebraço suavemente..."Suave é a noite". Nossas mãos, entrelaçados os dedos, se encontram e carinhosamente nos entregamos a devaneios. "Feelings" Nossos olhares se cruzam.Lindos olhos castanhos claros. Às vezes esverdeados. Ela entrelaça meu pescoço com ambas as mãos. As minhas? Bem, as minhas, trêmulas, cingem sua cintura. "Feelings"... Últimos acordes. Olhos semi-cerrados, ela me oferece os tão desejados lábios. Nosso primeiro pacto de amor? Meu coração treme como se levasse um leve choque. Sua imagem desaparece de meus braços.
O celular, no bolso da camisa vibra. A mensagem:
" Não foge mais de mim...Eu também te amo!"

quinta-feira, 15 de julho de 2010

AZIZA

Ela era ainda uma menina nos seus dez anos de idade.

Todos os dias a mãe a levava ao mercado, na cidade de Cabul.

Deixava-a circulando pelos corredores, maravilhando-se com as quinquilharias postas a venda nos diversos Box. Tinha recomendações expressas para que não aceitasse convites e nunca se afastasse dali, sozinha ou acompanhada. A mãe passava o dia exercendo a profissão que abraçara depois da morte do marido.

Aziza não podia compreender as regras daquela sociedade onde a mãe, em determinados ambientes, podia rir e festejar com pessoas que, em público, passavam por ela virando o rosto. Em publico, nem mesmo um olhar de asco semelhante ao que sempre é lançado ao lixo que se acumula nas calçadas.

Em público não era nem mesmo uma desconhecida; era inexistente!

O pai lhe dissera da existência de fadas. Contara sobre certas condições nas quais uma criança pode merecer a atenção de um duende. Num futuro, que não estaria muito distante, um ente encantado a levaria ao estrangeiro oferecendo os meios para instruir-se e vir-a-ser uma pessoa de influências em algum Órgão Internacional, como a ONU. Quando se mostrava ansiosa pela vinda do ente benfeitor, o pai a acariciava com ternura, procurando distraí-la.

-- Menina querida, tudo tem seu tempo!

Vieram mesmo muitos tempos, um dos quais lhe levou o pai para sempre.

Ela e a mãe foram ver o corpo, que entre outros corpos, foi retirado da carroçaria do carro de guerra, entre os muros, no cemitério. A cabeça estava toda coberta por panos manchados de sangue e o pai estava descalço como sempre andara antes da guerra. A roupa que usava era de soldado. Melhor do que as de seu dia-a-dia antes da guerra. Lá no céu o Sol reinava absoluto emitindo sua luz tão branca e tão capaz de transformar as areias em um manto de brasa.

Entre as poucas pessoas que se reuniram no cemitério na ocasião havia um dos lideres religiosos a proclamar a bonde de Ala. Uma bondade terrível! Em conseqüência daquela bondade, o pai era agora apenas uma saudade doída em seu coração infantil.

Alguns meses depois a mãe arrumou aquele seu trabalho. Elas duas passaram a percorrer juntas as ruas pela manhã, em direção ao mercado. E ela passou a percorrer algumas vezes sozinha as mesmas ruas de volta para casa ao cair da noite.

Vinha tiritando de medo, atravessando as vielas onde apenas escombros contavam de habitações bombardeadas. Aziza tinha medo do resto de gente que se deixava ficar entre os entulhos na calçada, recolhendo esmolas. Era o que restava de um homem que lutara na frente de batalha ao lado do pai. A ele faltavam as duas pernas e um dos braços. Era um toco apenas.

Enquanto pela bondade de Alá o pai era uma saudade em seu coração, aquele resto de ser humano era um peso para seus familiares. E assim, Aziza, que jamais teve um livro em suas mãos, aprendeu a desistir de seus sonhos para glorificar a bondade infinita que existe nas sábias lições da vida objetiva.

E Aziza passou a desejar ardentemente que existissem as fadas com seus poderes para driblar os caprichos da vida.

A desejar que uma delas se encarregasse de vir numa noite de lua, ou numa linda manhã de sol. Um ente de amor que viesse, não para levá-la aos estudos e aos primeiros degraus de uma brilhante carreira diplomática, mas, sim, que viesse trazer conforto ao pobre mutilado.

O CARROSSEL

O CARROSSEL



A porta de entrada, ainda que jamais escancarada, ela a encontrou sempre aberta necessitando apenas de um leve toque para afastar a folha e entrar. Em poucos dias familiarizou-se com o ambiente e com o inquilino a quem se habituou a vir quase todos os dias. Parecia-lhe ser um homem mais feliz do que infeliz. Passava muito tempo escrevendo. Quando não o via diante do monitor do micro era porque acarinhava as flores nos fundos do chalé. Se não o via em parte alguma nos arredores, o coração se inquietava, ela se consumia em mau humor que precisava ocultar. A ele dizia chorosa que o coração se enchia de preocupações, mas o que realmente lhe devorava a alma eram os ciúmes.

Via a alegria nos olhos dele em muitos momentos e com freqüência tinha absoluta certeza de que em parte a alegria lhe vinha em razão de sua presença. Ocasionalmente ele a levantava abraçando, rodava com ela negando-lhe por brincadeira os lábios para o beijo eufórico. Ela então vibrava intensamente e rodando suspensa nos braços dele fechava os olhos para sonhar girando num imaginário carrossel do amor.

Certas coisas que ele falava ela não compreendia, mas gostava de ouvir. Uma vez lhe falou sobre a mulher que passou com uma carroça muito carregada, carregada a tal ponto que em determinados trechos da trilha precisava ajudar puxando a carga pela corrente ao lado dos burros. Ela nunca soube se ele havia visto tal mulher com a carroça, e, se a vira, se a estava elogiando ou lastimando-lhe as escolhas. Era algumas vezes brincalhão como quando contou sobre a mulher que abraçou uma foca ao desejar sair para a areia, na praia.

Tinha uma coisa de bom. Sempre a fazia sentir-se pertencente e jamais se escondia das pessoas quando em passeios com ela. Nisso diferenciava-se da maioria dos homens com os quais já havia se relacionado e que não eram poucos apesar de sua pouca idade. Nos primeiros dias mentira para ele dizendo-lhe que dissera aos pais que passaria a noite na casa do namorado. De outro modo ele a teria levado para casa a despeito da noite escura e muito fria. Desmentiu alguns dias depois, sem ser pressionada a fazê-lo, pois ele nunca mais demonstrou preocupação pelo giro dos ponteiros arrastando as horas para dentro da noite. Mas a surpreendeu presenteando-a com uma flauta doce. Disse-lhe que não era difícil aprender. Soprando uma flauta, dissera-lhe ele, você será aos meus olhos um símbolo dos novos tempos. Ela pediu explicações. Estavam em um parque, sobre o gramado de um verde muito escuro aparado, próximos ao lago. Ele a levantou nos braços e girou com ela num ritmo quase alucinante, de sorte que ao deixá-la sobre o chão firme, precisou ampará-la para não cair como acometida por uma vertigem. Então a fez deitar-se e beijando-lhe os olhos disse:

-- Ao longo de milhares de anos, religiões e filosofias tornaram inevitáveis os movimentos feministas. Você pertence a uma nova humanidade que está surgindo, e, ainda que não saiba disso, anuncia a nova era ao seu modo.

-- Mas eu não sou feminista.

-- Não!Claro que não. Você é feminina.

-- Gosta assim?

-- Claro!

-- Então gosta de mim?

-- Por que não?

Ela sentia que sim. Fosse de outro modo não seria tão bom rolar com ele sobre o tapete da sala, nas noites mais quentes, arrepiando-se com os toques dos lábios e dos dentes dele mordiscando-lhe o lóbulo, a cavidade e a área posterior da orelha. Não! Não era como eram os outros quando lhe beijava a nuca e descia a mão acariciando-lhe as costas. Não era igual a ninguém quando lhe punha louca ao lhe beijar as partes internas das coxas, excitado e excitando-a sobre o carpete da sala.

O que ela não sabia é que ele se deixava vencer pelas premências da carne e por isso a tomava daquela forma. Não desejava vê-la um dia com as cargas físicas e emocionais da mulher da carroça, esquecida de amar em razão dos encargos atraídos sobre seus ombros pelos resultados dos movimentos feministas que alardeiam a libertação feminina. Ele a via menina com tanta estrada a avançar em sua caminhada e temia pelo que pudessem lhe fazer as pressões sociais, humilhando-a e levando-a a desistir de sua marcha, voltando como a foca que nunca se decidiu por ser um animal da terra ou do mar.

Tomando-a nos braços, sentia-se ele próprio como se posto por uma força estranha sobre os cavalos de um carrossel, completamente incapaz de impedir o movimento de sobe e desce no giro do tempo.

ASSIM MORREU ZENEIDE

A noite chegou preguiçosa, atrasada, depois de um dia que não queria passar.

As estrelas não apareceram logo. As nuvens espessas de pó e de fuligens desejaram poupá-las das imagens grotescas e dos guinchados do padre, exigindo dos guardas a retirada do corpo das escadarias. Eles dois, cada um segurando em um dos pés, arrastaram o defunto até um canto retirado do gramado. Cobriram com uma lona escura. Acreditavam que naquele caso a polícia técnica não se importaria com a remoção. Algumas pessoas aguardaram por mais de uma hora na esperança de que os pivetes fossem trazidos ao local pelas orelhas. Mas os próprios guardas lhes disseram que de nada adiantaria prendê-los e aos poucos os curiosos se dispersaram.

Zeneide morreu quando saia da igreja, nem soube que o Senhor a veio aliviar por intermédio dos pivetes. Nem eles desejavam atirar nela. Aconteceu. E foi somente isso, quer dizer, foi uma obra do destino, de cujos caprichosos desenhos ninguém está livre.

Foi menina danada, a Zeneide.

Arredia, calada, impossível de amestrar. Cresceu no barraco, nas imediações. Com dose anos de idade ela era dada a seguir as irmãs de caridade que por lá faziam suas rondas distribuindo alimentos, remédios, conselhos e santinhos. Ansiava então pela vinda do pai, ao cair da tarde, sentando-se no chão para acariciar as canelas dele. Parecia enamorada. O pai fazia questão de retribuir a atenção. Punha-a para dormir e não saia do quarto enquanto ela não estivesse dormindo a sono solto. Com o tempo ele começou a se esquecer daquele apego da menina. Então, um dia, ela criou coragem e pediu a uma das freiras para ver como era a embalagem dos preservativos. A freira desconfiou, mas considerou melhor estimular a prevenção. Alguns dias depois o homem que vendia revistas lhe disse em segredo que aquilo não era nem bom nem necessário. E que podia revender dando-lhe alguns trocados. Mas para isso ela precisava aprender a tirar das freiras uma ou duas fieiras completas.

Não era de juntar-se às pessoas, não era de brincar com os meninos que corriam pelas ruas enlameadas. Eles corriam girando aqueles arcos de barris, tocando-os com uma lasca de madeira escura. Não era de brincar com as meninas que batizavam bonecas, ou se expunham ao final da tarde, sentadas sobre a guarda da ponte e pondo a língua para os homens que passavam cansados, elogiando-as, formulando convites para carinhos na cama.

Não! Ela não se juntava a ninguém, preferindo olhar, distraída, para os cães que talvez superassem em número aos humanos que por ali consciente ou inconscientemente cumpriam os dias que a generosa vida lhes riscara nas estrelas. Tardes de sol se pondo avermelhado, avermelhando os telhados de zinco, os terreiros e as ruas de terra nua cortadas por esgoto a céu aberto. Era o pó que avermelhava o sol, ou era o sol vermelho que coloria a poluição, pondo franjas escarlates na fumaça negra das chaminés fabris?

O pai já havia desaparecido quando Zeneide começou a inchar. O homem da banca passara a ser defunto por obra de uma bala perdida. Os meninos riam dela e abaixavam as calças para ela, insultando-a em público. Entre as meninas havia sussurros e as mais ousadas apontavam-na com o dedo em riste, chamando-a de santinha de bordel.

Quando a criança nasceu, veio ao mundo deficiente. Os pezinhos tortos, as perninhas frágeis, sendo uma visivelmente menor que a outra.

Zeneide chorou durante quase todo o primeiro ano. Com a criança no colo, ou acavalada em seu quadril, iniciou as novenas implorando a todos os santos pela cura milagrosa. A criança não andou antes do segundo ano. Nunca andaria como as outras crianças. Praticamente arrastava-se.

No início da noite, enquanto a menina dormia, Zeneide ia à igreja, implorar aos santos uma intervenção junto ao destino. Queria que a filha pudesse pelo menos andar, mesmo que continuassem tortos os pezinhos. Bastava corrigir a atrofia dos músculos.

Ia à igreja no início da noite a conselho do padre. Ele queria poupá-la dos falatórios das carolas na hora da reza do terço. Eram pias demais as carolas. Elas acreditavam que a presença de Zeneide na igreja, na hora da reza, era um insulto ao Santíssimo, a fonte do amor e da misericórdia. E não era conveniente que ela continuasse a vir à sacristia. O padre era o pastor de todas as almas e não podia se dedicar a uma só ovelha. Tanto mais uma ovelhinha que vivia perdendo coisas por ali.

Por ser cabeça dura Zeneide nunca entendeu o que o padre quis dizer com aquele ‘perdendo coisas por ali’. Mas o padre era inteligente e sabia o quanto fora exposto ao constrangimento perante a freira. Sentira-se instado a explicar o aparecimento da embalagem contendo uma camisinha entre seus pertences. Tinha a marca de distribuição feita pelas freiras. Zeneide a deixara cair na nave do templo!

Assim morreu Zeneide. Alguém há de contar como sobreviveu a filha, que ficou sozinha aos dois anos de idade em nosso mundo tão pleno de amor.

A noite chegou preguiçosa, atrasada, depois de um dia que não queria passar.

As estrelas não apareceram logo. As nuvens espessas de pó e de fuligens desejaram poupá-las das imagens grotescas e dos guinchados do padre, exigindo dos guardas a retirada do corpo das escadarias. Eles dois, cada um segurando em um dos pés, arrastaram o defunto até um canto retirado do gramado. Cobriram com uma lona escura. Acreditavam que naquele caso a polícia técnica não se importaria com a remoção. Algumas pessoas aguardaram por mais de uma hora na esperança de que os pivetes fossem trazidos ao local pelas orelhas. Mas os próprios guardas lhes disseram que de nada adiantaria prendê-los e aos poucos os curiosos se dispersaram.

Zeneide morreu quando saia da igreja, nem soube que o Senhor a veio aliviar por intermédio dos pivetes. Nem eles desejavam atirar nela. Aconteceu. E foi somente isso, quer dizer, foi uma obra do destino, de cujos caprichosos desenhos ninguém está livre.

Foi menina danada, a Zeneide.

Arredia, calada, impossível de amestrar. Cresceu no barraco, nas imediações. Com dose anos de idade ela era dada a seguir as irmãs de caridade que por lá faziam suas rondas distribuindo alimentos, remédios, conselhos e santinhos. Ansiava então pela vinda do pai, ao cair da tarde, sentando-se no chão para acariciar as canelas dele. Parecia enamorada. O pai fazia questão de retribuir a atenção. Punha-a para dormir e não saia do quarto enquanto ela não estivesse dormindo a sono solto. Com o tempo ele começou a se esquecer daquele apego da menina. Então, um dia, ela criou coragem e pediu a uma das freiras para ver como era a embalagem dos preservativos. A freira desconfiou, mas considerou melhor estimular a prevenção. Alguns dias depois o homem que vendia revistas lhe disse em segredo que aquilo não era nem bom nem necessário. E que podia revender dando-lhe alguns trocados. Mas para isso ela precisava aprender a tirar das freiras uma ou duas fieiras completas.

Não era de juntar-se às pessoas, não era de brincar com os meninos que corriam pelas ruas enlameadas. Eles corriam girando aqueles arcos de barris, tocando-os com uma lasca de madeira escura. Não era de brincar com as meninas que batizavam bonecas, ou se expunham ao final da tarde, sentadas sobre a guarda da ponte e pondo a língua para os homens que passavam cansados, elogiando-as, formulando convites para carinhos na cama.

Não! Ela não se juntava a ninguém, preferindo olhar, distraída, para os cães que talvez superassem em número aos humanos que por ali consciente ou inconscientemente cumpriam os dias que a generosa vida lhes riscara nas estrelas. Tardes de sol se pondo avermelhado, avermelhando os telhados de zinco, os terreiros e as ruas de terra nua cortadas por esgoto a céu aberto. Era o pó que avermelhava o sol, ou era o sol vermelho que coloria a poluição, pondo franjas escarlates na fumaça negra das chaminés fabris?

O pai já havia desaparecido quando Zeneide começou a inchar. O homem da banca passara a ser defunto por obra de uma bala perdida. Os meninos riam dela e abaixavam as calças para ela, insultando-a em público. Entre as meninas havia sussurros e as mais ousadas apontavam-na com o dedo em riste, chamando-a de santinha de bordel.

Quando a criança nasceu, veio ao mundo deficiente. Os pezinhos tortos, as perninhas frágeis, sendo uma visivelmente menor que a outra.

Zeneide chorou durante quase todo o primeiro ano. Com a criança no colo, ou acavalada em seu quadril, iniciou as novenas implorando a todos os santos pela cura milagrosa. A criança não andou antes do segundo ano. Nunca andaria como as outras crianças. Praticamente arrastava-se.

No início da noite, enquanto a menina dormia, Zeneide ia à igreja, implorar aos santos uma intervenção junto ao destino. Queria que a filha pudesse pelo menos andar, mesmo que continuassem tortos os pezinhos. Bastava corrigir a atrofia dos músculos.

Ia à igreja no início da noite a conselho do padre. Ele queria poupá-la dos falatórios das carolas na hora da reza do terço. Eram pias demais as carolas. Elas acreditavam que a presença de Zeneide na igreja, na hora da reza, era um insulto ao Santíssimo, a fonte do amor e da misericórdia. E não era conveniente que ela continuasse a vir à sacristia. O padre era o pastor de todas as almas e não podia se dedicar a uma só ovelha. Tanto mais uma ovelhinha que vivia perdendo coisas por ali.

Por ser cabeça dura Zeneide nunca entendeu o que o padre quis dizer com aquele ‘perdendo coisas por ali’. Mas o padre era inteligente e sabia o quanto fora exposto ao constrangimento perante a freira. Sentira-se instado a explicar o aparecimento da embalagem contendo uma camisinha entre seus pertences. Tinha a marca de distribuição feita pelas freiras. Zeneide a deixara cair na nave do templo!

Assim morreu Zeneide. Alguém há de contar como sobreviveu a filha, que ficou sozinha aos dois anos de idade em nosso mundo tão pleno de amor.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Meias voltas

MEIAS VOLTAS

Minha vida
volta e meia insistie em dar a meia volta.
E volta tudo o que eu vivi.

Quanto encanto em cada volta!
Penso então: se estou de volta,
quantas voltas há prá cumprir?

Bem pouco importa.
A procuro em cada volta
pois não sei viver sem ti.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Carta de amor

CARTA AO MEU AMOR

Manhã de sábado. Um vento mais forte assanha a natureza agora e vejo pela janela que tudo vibra intensamente. É como se as árvores abrissem seus braços, excitadas, felizes, vivas, ao vigor que mexe com elas. O mundo de nosso Deus é simplesmente maravilhoso. Em outros momentos apenas uma brisa suave acaricia as pétalas de rosas silentes ao luar. Brisa que chega de mansinho, tímida, sem aquele poder transformador do vozeirão do vento, sem a sedução da agitação insensível. Brisa que chega e faz da noite um momento de paz, um clima de sonho aos corações sensíveis.

Sei que não abrirá tão logo esta carta e temo roubar seu tempo de trabalho. Mesmo assim escrevo porque sei que seu coração precisa sentir que é amado e que há quem se importe com ele. Há a brisa para aqueles momentos de ternura. Momentos esses que em nossos corações estabelecem as dimensões de cada pessoa que a vida nos traz. Não importa a quem nos associamos no mundo solar; no mundo dos sonhos de amor, nossos corações fazem as suas escolhas. O meu escolheu o seu. E vai cuidar dele.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Tahyma

THAYMA

Nas proximidades do povoado de Fadel, na encosta da montanha, a noite entregou Dhan aos primeiros clarões do novo dia.

O lugarejo a que ele agora adentrava montado em seu cavalo negro era um dos últimos rumo ao território Persa, objetivo de sua caminhada. Eram poucas residências esparsas, com população provavelmente igual ou inferior aos forasteiros, pessoas de diversas raças e credos que para ali acorriam acampando à margem da trilha. Pessoas interessadas nos assuntos relativos à formação das caravanas. De repente, a quinhentos metros do acampamento, surgiu meia dúzia de meninos correndo pela trilha na direção de Dhan. Tentando alcançá-los na corrida, dois rapazes praguejavam atirando pedras contra o grupo. A perseguição terminou inopinadamente. Os rapazes voltaram ao acampamento gesticulando e emitindo gritos. Os meninos, protegidos por trás da montaria de Dhan, quedaram resfolegando e amedrontados.

Foram os pequenos larápios que indicaram a Dhan a trilha para a residência de Fadel. Era uma casa de pedra no alto de um morro. Vesgo, aparentemente frágil, Fadel reunia experiência e habilidade para o trato com todo tipo de mercador. Em suas primeiras palavras expressou admiração pela coragem demonstrada por Dhan ao viajar durante a noite e sozinho, passando por regiões montanhosas com risco de ser atacado pelos assaltantes assassinos. Dhan agradeceu pelas palavras generosas, mas compreendeu claramente o sentido de admoestação que continham. Por alguns dias ocupou um cômodo pequeno e abafado nos fundos da residência e teve a companhia constante de Fadel sempre que a desejou para descer ao acampamento.

Nas longas horas dos dias o calor era quase insuportável. Com o vento aquecido no deserto vinham partículas de areia. Atingiam os olhos, a boca, impregnavam-se na pele, constituíam camadas finas de poeira sobre todas as coisas. O acampamento era permanentemente tomado por muito barulho, movimentação de animais, de carroças e de cargas. De um momento para outro podiam surgir impropérios e empurrões. Os mais rudes e exaltados tentavam resolver suas pendências trocando socos. Pelo acampamento circulavam ladrões sobre os quais era preciso estar permanentemente de olho. Nesse clima emocional formavam-se as caravanas que ao longo de vários meses avançariam lentamente em direção a vários destinos. Elas saiam uma após outra, geralmente ao amanhecer. Dhan ansiava por partir também, mas as negociações com os diversos guias eram difíceis. Os preços exigidos eram muito elevados para suas posses. Quando os preços eram razoáveis a expressão facial de Fadel indicava perigo e Dhan não fechava acordo.

Felizmente havia divertimento por ali. Havia os jogos. As disputas de forças nos braços. E havia os mágicos, os malabaristas, as jovens bailarinas em espetáculos improvisados, exibindo suas delicadas curvas em apresentações coloridas e eróticas ao som de músicas magistralmente executadas por exímios artistas.

Em alguns dias Dhan havia por assim dizer gravado em sua mente a posição de pedra por pedra na trilha que o conduzia à residência de Fadel. Caminhavam sempre à pé, lado a lado, regando uma amizade sincera que nasceu da admiração mútua. Desciam pela manhã. Retornavam muitas vezes sob a luz das estrelas. O moço caminhava sonhando com sua integração em uma das caravanas, imaginando encontrar em algum ponto distante a vocação de sua alma. O mais velho caminhava consciente de que a felicidade pode estar a dois centímetros de nossos olhos e ainda assim não termos a percepção de sua presença. Ou não reunirmos em nós o merecimento necessário para conquistá-la.

Fadel abdicara de seu sonho de riquezas materiais por ocasião do nascimento da filha. Era uma criança muito viva, muito alegre. As longas jornadas exigidas de um mercador mantinham Fadel longe daquele riquíssimo tesouro por meses e meses. Ele abandonou os negócios, desfez sua rede de fornecedores e fregueses. Preferiu permanecer no vilarejo cuidando de suas cabras, abençoando todos os dias o desenvolvimento natural da filha. Quando a menina cresceu revelando o espírito reservado, uma desarmonia velada com a madrasta a mantinha cada vez mais hermética em relação aos seus sentimentos. Um dia a moça desapareceu. Fadel descobriu assim que mesmo abdicando de todos os seus interesses pessoais, mesmo que lhe desse a própria vida, não a teria jamais consigo. Dela restaram em poder de Fadel alguns pertences incluindo uma foto estampada em um cartão postal.

-- Esta era a imagem de minha Tahyma – disse ele com os olhos marejando.

A partir de então a imagem semelhante a da foto apareceu nos sonhos de Dhan em flashes aleatórios, impressionando de tal forma sua mente consciente que ele passou a ‘vê-la’ nitidamente por todo canto. Algumas vezes perdia o sono. O cubículo que ocupava tornava-se opressivo demais, abafado, com o ar viciado. Ele então procurava sair silencioso ao relento para sozinho contemplar o céu estrelado. Nos brilhos de uma estrelinha, ele via os olhos de Tahyma. Não da Tahyma da estampa do cartão postal. Ele não a conhecera tão menina. A Tahyma que teimava em permanecer diuturnamente em sua companhia, ele a conhecera nas trilhas pelas quais havia passado. Ele a havia beijado à luz da Lua. Ela o havia acarinhado e em noites encantadas, trocando juras de amor, haviam saciado seus desejos mútuos cobertos unicamente pelo manto estrelado de um céu de paz e de amor.

Felizmente jamais falou a Fadel a respeito daqueles seus sentimentos que encantavam e ao mesmo tempo afligiam sua alma. Então houve uma noite em que desceu sozinho e, nas proximidades do acampamento, deparou-se com cenas que o levaram a tomar a decisão que mudaria totalmente seu destino. Ao entrar em um antro viu um homem extremamente rude se divertir com uma jovem prostituta. Seu palavreado de baixo calão produzia ferimentos profundos como os produzidos pelo gume de um punhal. E não obstante, ela reagia rindo, acarinhando, excitando.

Dhan não foi nunca um santo. O odor de mulher o atraia desde sua puberdade e naquela ocasião estava há muitos meses sem tocar em um corpo feminino. Mas naquele antro a garota exalava o odor azedo da falta de higiene. Ela na realidade fedia. Apresentava curtos cabelos ensebados, duros. De um momento para outro o homem a empurrou de seu colo atirando-a ao chão. E pondo-se em pé, gargalhou dizendo com desprezo:

-- Vadia! Tão menina e já com boceta de puta velha!

Dois homens, certamente a serviço de Fadel, seguraram Dhan. Um deles recebeu no peito o soco com que o rapaz teria agredido o brutamonte.

-- Tolo! – disse o protetor a um Dhan quase fora de si pela raiva - Não entregue a sua vida assim, tão gratuitamente. Ele a maltrata e ela o prefere a você que pretende impedi-la de viver suas emoções e fantasias. Você ainda é muito verde para saber até onde pode se desmerecer por si mesma uma mulher destituída de um horizonte. Ainda não sabe que o mundo é dos ousados?

Com efeito. Levantando-se, a moça passou por Dhan com expressão de asco. Rindo, mulheres se aproximaram do garanhão acarinhando-o. O homem emitia gritinhos de vitória. E a garota hostilizada no minuto anterior ajoelhou-se a seus pés abrindo-lhe a braguilha. Ele urrou satisfeito:

-- Suga, cadela!

Na manhã seguinte Dhan se despediu de Fadel a quem declarou haver desistido de prosseguir no rumo das maravilhas que existiriam na Pérsia.

Fadel o viu partir em seu cavalo relativamente bem amanhado. Por mais que o estimasse, não pode deixar de recriminá-lo intimamente. Considerou-o inconstante em suas buscas, deixando-se vencer pelos primeiros sinais de entraves no caminho que poderia levá-lo a muitas glórias caso fosse capaz de lutar bravamente por seus ideais.

Dhan cavalgou com o coração pulsando forte, percorrendo o caminho de volta.

Em algum lugar, ao longo da rota, haveria de reencontrar Tahyma. E em nome do amor, proporcionar proteção, carinho e muita compreensão. Ela talvez não se interessasse mais por ele. Ela talvez o recusasse. Ele e seu amor seriam provavelmente rejeitados. Pouco importa. Ele havia descoberto que a amava e que seu amor, mesmo rejeitado, poderia vir a ser um horizonte.

Eu agora preciso entender

EU AGORA PRECISO ENTENDER

Ouvi os anjos que vieram
e que em coro disseram
abençoar meu amor por você.

Meu tear enfeitaram
e felizes voltaram
sem jamais lhe dizer
que também poderia querer.

Eu agora preciso entender.
Seres feitos só pra proteger
também podem esquecer.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Pensamento


Deixo livre as coisa que amo.

Se elas voltarem para mim foi porque as conquistei.

Se não voltarem foi porque nunca as tive.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Apenas os traços de um eterno conto de amor


APENAS OS TRAÇOS DE UM ETERNO CONTO DE AMOR


Acordou bem depois da hora habitual.


Num gesto preguiçoso jogou o braço para o outro travesseiro sobre o qual, girando-se na cama, afundou a cabeça. Viera-lhe imediatamente ao acordar aquele vazio que depois de algum tempo escorre do coração e alcança o peito, o estômago, e acaba por dominar por completo o mais fundo do âmago. Percebeu suas mãos trêmulas. A vontade de viver tinha apenas uma ponta do rabo saindo pela janela, por onde a luz solar jogava alguns de seus raios como desejando induzi-lo a crer ainda em um restinho de esperança. Ele se pôs em pé e segurou a vontade de urrar. Os músculos das pernas cederam e elas dobraram com o peso.


A diarista o encontrou pouco depois enquanto a carne ainda estava morna. Por falta de alternativa, chamou a polícia.


As fotos da perícia, mostrando um corpo derreado, com o rosto inexpressivo beijando o chão, ilustraram seu último texto publicado nos jornais:


“Passou novamente por aqui, penetrou em meu âmago, conheceu meus pensamentos e os meus anseios. Leu em meus livros, em meus olhos e em meus e-mails. Pode assim, sentir a intensidade de meu amor. Por certo me pressentiu, mas sinto que tendo podido ler, não conseguiu jamais me ver.”


Ninguém se deteve seriamente a examinar o sentido do texto. Talvez fossem apenas os traços de um eterno conto de amor.


Contam que alguns dias depois uma linda mulher levou a ele um maço de rosas vermelhas. Ele amava as flores!


Contam que havia sol moribundo e que ao sair pelo grande portal de ferro fundido, surgiam, na imensidão do céu, os primeiros sinais de luz da primeira estrela.


Então, levantando os olhos em direção ao infinito, ela pode uma vez mais vê-lo em espírito.


(Escrito para Meu Caderno de Capa de Pano - Recanto das Letras)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010


Poema da Noite
Já chorei vendo fotos e ouvindo musica;
Já liguei só para ouvir uma voz;
Me apaixonei por um sorriso;
Já pensei que fosse morrer de saudade;
E tive medo de perder alguem especial... (e acabei perdendo)
Já pulei e gritei de tanta felicidade;
Já vivi de amor e fiz muitas juras eternas... "quebrei a cara muitas vezes!
"Já abracei para proteger;
Já dei risadas quando não podia;
Já fiz amigos eternos;
Amei e fui amado;
Mas tambem já fui rejeitado;
Fui amado e não amei...


Pensamos demasiadamente
Sentimos muito pouco
Necessitamos mais de humildade
Que de máquinas.
Mais de bondade e ternura
Que de inteligência.
Sem isso,
A vida se tornará violenta e
Tudo se perderá.


A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina.
Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente.
Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso.
Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo.
Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar.
Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade.
Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando.
E termina tudo com um ótimo orgasmo!
Não seria perfeito?


Sorri quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos vazios
Sorri quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador
Sorri quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados doridos
Sorri vai mentindo a sua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz


Durante a nossa vida:
Conhecemos pessoas que vem e que ficam,
Outras que, vem e passam.
Existem aquelas que,Vem, ficam e depois de algum tempo se vão.
Mas existem aquelas que vem e se vão com uma enorme vontade de ficar...


O Caminho da Vida
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos.
A cobiça envenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódios... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e morticínios.
Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela.
A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria.
Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis.
Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.
Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade.
Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura.
Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
(O Último discurso, do filme O Grande Ditador)

TABACARIA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso?
Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!Génio?
Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas
-Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas
-,E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim?
Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica. (O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu.
Fernando Pessoa, 1888-1935, poeta português

Ternura
Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor
seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçurados que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer
que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora.

domingo, 17 de janeiro de 2010


Não tinha que ser com você
Que eu teria que ser feliz.
Não tinha que ser com você
Que eu teria que me dar bem.
Eu tinha mesmo que apanhar
Sofrer por te amar assim
E ver o seu olhar fugir
Por não gostar de mim.
Bebi da água do seu beijo
Pra matar a sede de amor.
Depois de ser só seu amor
Eu não podia ser de ninguém.
Sou feito só pra te amar
Obsessão que não tem fim
E ver o seu olhar fugir
Por não gostar de mim.
Foi uma noite de amor,
Uma noite de amor,
Que eu nunca esqueci.
Foi mais que um sol de verão
A mais louca paixão
Que até hoje eu vivi

Composição: Cesar Augusto / Piska



Pai, pode ser que daqui a algum tempo
Haja tempo pra gente ser mais
Muito mais que dois grandes amigos, pai e filho talvez
Pai, pode ser que daí você sinta, qualquer coisa entre esses vinte ou trinta
Longos anos em busca de paz....
Pai, pode crer, eu tô bem eu vou indo, tô tentando vivendo e pedindo
Com loucura pra você renascer...
Pai, eu não faço questão de ser tudo, só não quero e não vou ficar mudo
Prá falar de amor pra você
Pai, senta aqui que o jantar tá na mesa, fala um pouco tua voz tá tão presa
Nos ensine esse jogo da vida, onde a vida só paga pra ver
Pai, me perdoa essa insegurança, é que eu não sou mais aquela criança
Que um dia morrendo de medo, nos teus braços você fez segredo
Nos teus passos você foi mais eu
Pai, eu cresci e não houve outro jeito, quero só recostar no teu peito
Pra pedir pra você ir lá em casa e brincar de vovô com meu filho
No tapete da sala de estar
Pai, você foi meu herói meu bandido, hoje é mais muito mais que um amigo
Nem você nem ninguém tá sozinho, você faz parte desse caminho
Que hoje eu sigo em paz
Pai.....

Musica:PAI
Fabio Junior

O Que Eu Também Não Entendo


Composição: Fernanda Mello e Rogério Flausino


Essa não é mais uma carta de amor
São pensamentos soltos
Traduzidos em palavras
Prá que você possa entender
O que eu também não entendo...
Amar não é ter que ter
Sempre certeza
É aceitar que ninguém
É perfeito prá ninguém
É poder ser você mesmo
E não precisar fingir
É tentar esquecer
E não conseguir fugir, fugir...
Já pensei em te largar
Já olhei tantas vezes pro lado
Mas quando penso em alguém
É por você que fecho os olhos
Sei que nunca fui perfeito
Mas com você eu posso ser
Até eu mesmo
Que você vai entender...
Posso brincar de descobrir
Desenho em nuvens
Posso contar meus pesadelos
E até minhas coisas fúteis
Posso tirar a tua roupa
Posso fazer o que eu quiser
Posso perder o juízo
Mas com você
Eu tô tranquilo, tranquilo...
Agora o que vamos fazer
Eu também não sei
Afinal, será que amar
É mesmo tudo?
Se isso não é amor
O que mais pode ser?
Tô aprendendo também...

Musica: JOTA QUEST