segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Seu “ Bau”

SEU 'BAU'

(Texto de Avelino Fernando Menck para Venturas do Viver)

Ao Sr. Bráulio Camargo de Freitas, amigo da família

" E viva Getúlio Vargas"
Eram as palavras finais de Seu “Bau” após um grande discurso que às vezes, durava horas.
Diga-se que os pronunciamentos atuais de um Fidel ou de um Chaves, são semelhantes ao antigo palavreado daquele velho amigo.
Pedreiro de profissão. Vivia em nossa casa, no sítio, como agregado, às vezes fazendo-se de cozinheiro de meu pai quando minha mãe precisava ficar conosco na cidade.
Sempre bebia- (síndrome dos antigos profissionais?) e quando o fazia, iniciava as falas sempre em defesa de seu maior ídolo. .Ninguém quase o ouvia.
Mas, no dia 24 de Agosto de 1954 foi diferente.
Bêbado, em pé, no alto do calçadão em frente a estrada no antigo armazém de meu pai, encostado à parede, defendia mais uma vez o governo Vargas.No início, apenas eu o escutava e por isso chamou-me para perto de si, abraçou-me e sem que eu esperasse, deu-me um beijo na testa. Quis fugir, contudo, sentindo pena, ali permaneci ouvindo-o.
Em suas explanações explicava os atos do grande presidente: voto da mulher, a proibição do trabalho para o menor de 14 anos, a lei do salário mínimo, e, detalhava passo a passo os efeitos produzidos pela legislação trabalhista da época.
Em pouco tempo eu não era o único a ouvi-lo. Juntou-se a mim um pequeno amigo de folguedos, seu pai em seguida e mais um ouvinte e mais outros. Em meia hora aglomerava-se pequena platéia, cerca de vinte pessoas, que já impedíamos o tráfego na estreita estrada de terra que ligava S. Paulo ao norte do Paraná.
Parou o primeiro caminhão de transportes. Buzinou. As pessoas entorpecidas pelo palavreado do orador não saíram. Seu Bau bradava e ao mesmo tempo despejava lágrimas, lembrando também de seu irmão Lauri, pracinha da segunda guerra, o que comovia as pessoas que o ouviam
Parou outro caminhão em sentido contrário e mais um e outro e outro mais. Os motoristas desciam e se juntavam à pequena multidão e também o aplaudiam, comovidos pelo inusitado da cena.
Seu Bau discursava. Falava que falava e se emocionava contagiando a platéia que nunca fora tão numerosa até então.
Meu pai fechou as portas do armazém e se juntou a nós tentando entender como acontecera aquilo tudo. Seu João, funcionário no armazém, ficara para ouvir no velho rádio à bateria (carregada com energia eólica) as últimas notícias do dia. Em seguida, meio apavorado, juntou-se à multidão e anunciou: ”Bau, seu presidente suicidou-se esta madrugada”.
Percebi a lividez da face do velho homem que parara de falar e levantando os olhos para os céus balbuciou: ”Que Deus o tenha!”. Levou a mão direita ao peito, sobre o coração e com sua voz um tanto rouca começou a cantar o Hino Nacional, ato seguido por nós todos, até o finalzinho sem o menor deslize: ”...és mãe gentil. Pátria amada. Brasil!”
A emoção fora grande demais para aquele simples homenzinho.
Levou a outra mão também ao peito e num gemido muito forte tombou na calçada, já sem vida.

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