sábado, 20 de novembro de 2010

Dormia algures


DORMIA ALGURES

Dormia algures, disseram-me algumas vezes. E eu não me lembro de uma única vez em que esse detalhe tenha instigado minha curiosidade.

Eu o percebia algumas vezes aluado a me saudar aos gritos, com palavras que denotavam bom humor e amizade. Era como se desejasse compartilhar seus momentos, seus passos na estrada do existir, se deixando levar de roldão pelas escolhas que em seu lugar fazia-lhe a vida.

E nem mesmo essa impressão que dele eu tinha moveu-me a questionar os seus costumes. Ele existia, estava por ali algures. De um momento para outro eu podia vê-lo e responder às suas saudações, também com ares alegres, mas sem assumir compromissos.

Isso me bastava.

E aconteceu de me perguntar onde se alimentavam os cães de rua.

Onde mitigavam a sede? Onde se abrigavam da chuva?

Mas isso aconteceu em um momento em que meu coração se deixou levar por pena. Pena dos cães abandonados! Não era amor, era uma angústia apenas.

E então, assim sem mais nem menos, eu me dei conta da pobreza imensa de meus sentimentos para com aquele que aos gritos me saudava alegre. Eu percebi que podia me condoer com a má sorte dos cães, mas não me afetava o caminhar de um ser humano.

Um ser humano que visivelmente se alegrava pelo simples fato de me ver e de sentir minha existência.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário