quinta-feira, 4 de junho de 2009


Os dois gatos
Dois bichanos se encontraram
Sobre uma trapeira um dia: (Creio que não foi no tempo Da amorosa gritaria).
De um deles todo o conchego
Era dormir no borralho;
O outro em leito de senhora
Tinha mimoso agasalho.
Ao primeiro o dono humilde
Espinhas apenas dava;
Com esquisitos manjares
O segundo se engordava.
Miou, e lambeu-o aquele
Por o ver da sua casta;
Eis que o brutinho orgulhoso
De si com desdém o afasta.
Aguda unha vibrando Lhe diz: ''Gato vil e pobre,
Tens semelhante ousadia
Comigo, opulento, e nobre?
Cuidas que sou como tu?
Asneirão, quanto te enganas!
Entendes que me sustento
De espinhas, ou barbatanas?
Logro tudo o que desejo,
Dão-me de comer na mão;
Tu lazeras, e dormimos
Eu na cama, e tu no chão.
Poderás dizer-me a isto
Que nunca te conheci;
Mas para ver que não minto
Basta-me olhar para ti.''
''Ui! (responde-lhe o gatorro, Mostrando um ar de estranheza)
És mais que eu?
Que distinção
Pôs em nós a Natureza?
Tens mais valor?
Eis aqui A ocasião de o provar.''
''Nada (acode o cavalheiro) Eu não costumo brigar.''
''Então (torna-lhe enfadado O nosso vilão ruim)
Se tu não és mais valente,
Em que és superior a mim?
Tu não mias?''
- ''Mio.''
- ''E sentes Gosto em pilhar algum rato?''
''Sim.''
- Eo comes?''
- ''Oh! Se como!...''
''Logo não passa de um gato.
Abate, pois, esse orgulho,
Intratável criatura:
Não tens mais nobreza que eu;
O que tens é mais ventura.''

Bocage Envio: Sérgio Gerônimo

Nenhum comentário:

Postar um comentário