quinta-feira, 4 de junho de 2009

Buscas


BUSCAS


Existiu outrora em terras muito distantes daqui, um rei que ainda muito moço distribuiu todos os seus bens pessoais aos mais pobres. A partir de então passou a viver de um salário que lhe era pago pelos nobres.

O monarca passou a ser assim um homem pobre, vivia de um pequeno salário mensal e precisava fazer muita economia para não passar necessidade.

Era alegre, gostava de música e de poesia. Todos os dias, com calor ou com frio, cumpria todas as obrigações no trabalho, governando seu povo.

Um belo dia um nobre do reino, um homem muito rico, foi ao palácio onde pediu para conversar com o jovem soberano em particular. Recebido em audiência, disse o nobre ao rei:

-- Majestade dizem nos reinos vizinhos que somos governados por um moço que não tem nada de seu. Que tendo jogado fora toda a sua fortuna, hoje não pode comparecer aos grandes bailes da corte, nem pode participar de festa alguma. É o que dizem e o que dizem nos envergonha a todos.

O rei ouviu com atenção ao que dizia o nobre. Ele não tinha uma resposta a oferecer. O nobre então continuou:

-- Tenho, majestade, uma grande fortuna pessoal. E eu tenho uma filha. Ficaria honrado se houvesse interesse em conhecer minha menina. Talvez se apaixone por ela, passe a ser meu genro e meu herdeiro.

O soberano ofereceu ao visitante um cacho de uvas.

-- Leve à sua filha, senhor. São as mais doces dentre todas as que possuo.

O homem estranhou. E estranhando, argumentou:

-- Talvez não saiba, majestade, mas até chegar em minhas propriedades esse cacho de uvas estará deteriorado. Eu preciso atravessar longos percursos pelo deserto antes que meus camelos pisem em areais que me pertencem.

-- Deve ser assim mesmo. - disse muito firme o rei, ainda que em tom de voz calma e pausada
– Sua filha, ao receber o cacho de uvas, terá oportunidade de avaliar as trocas que o pai dela propõe. Saberá que foi trocada por uvas murchas e podres. Talvez ela o convença a desistir de sua proposta.

Meses se passaram sem que nada de extraordinário acontecesse.

E então houve outro pedido de audiência particular. Um outro nobre veio ao rei para deplorar sua pobreza pessoal, e dizer que um rei pessoalmente pobre era uma vergonha para toda a nação.

E ele ouviu com atenção ao que dizia o nobre. Novamente não tinha uma resposta a oferecer. O nobre então continuou:

-- Tenho, majestade, grandes interesses comerciais e ao longo do tempo venho reunindo grande fortuna. Passei boa parte de meu tempo instruindo e treinando meu filho nas artes do comércio e administração de bens preciosos. Neste momento não há em todo o reino um gênio que o supere em tais atividades. Proponho que o nomeie seu ministro e eu transfiro para seu nome uma terça parte de tudo o que tenho.

O soberano ofereceu ao visitante um cacho de uvas.

-- Leve ao seu filho, senhor. São as mais doces dentre todas as que possuo.

O homem estranhou. E estranhando, argumentou:

-- Talvez não saiba, majestade, mas essas uvas estarão passadas até que eu possa pôr os meus olhos sobre meu filho. Neste momento ele percorre o mundo em meu nome, comprando e vendendo as mais ricas especiarias.

-- Deve ser assim mesmo. - disse muito firme o rei, ainda que em tom de voz calma e pausada. - Seu filho, ao receber o cacho de uvas terá oportunidade de avaliar as trocas que o pai dele propõe. Saberá que todo o seu esforço, todo o seu talento e o seu futuro, tudo foi trocado por um cacho de uvas passadas.

Meses se passaram sem que nada de extraordinário acontecesse. E então aconteceu que o rei ouviu dizer de um jardim encantado cujos seres habitantes conversavam entre si, e estavam todos eles familiarizados com fadas, duendes, bruxas e encantamentos.

Vestindo-se de andarilho o rei saiu certa noite do palácio desejando ardentemente que aquele jardim de sonhos existisse de verdade e que ele tivesse a felicidade de ser aceito pelos seres encantados. Sentia-se muito só, muito rodeado por pessoas inteligentes, muito próximo à realidade objetiva e racional. Queria ter também uma chance para sonhar.

O mandatário andarilho percorreu muitos caminhos visitando os mais lindos jardins do reino. Chegou a trabalhar de jardineiro para muitos nobres que não o reconheceram naquela fantasia de peregrino. O rei andarilho trabalhou para armadores, marinheiros, mercadores, religiosos, ateus. Trabalhou organizando jardins que embelezavam as frentes de palácios de prazeres e perdição. E em parte alguma encontrou um jardim encantado cujos seres habitantes conversavam entre si, e estavam todos eles familiarizados com fadas, duendes, bruxas e encantamentos.

Cansado, mas disposto a continuar por todo o sempre em suas buscas, o rei pobre transformado em andarilho, acomodou-se em um chalé, onde passava as noites rabiscando sobre folhas de papel. Escrevia contos e poesias, brincava com os filósofos e com os teólogos. Lia.

E o tempo foi passando sem nenhuma novidade ou emoção mais forte.

Ele sozinho, conversando com personagens que surgiam das páginas dos livros que escrevia. Ele rodeado por entidades que ora apareciam, ora viravam névoa e desapareciam muitas delas para sempre. Ele indefeso contra as tentações mortificando-se em razão de fomes e sedes as mais tentadoras e cruéis.

Então houve uma noite em que ele deixou a janela aberta porque fazia muito calor. Era final de verão. Estava escrevendo quando uma brisa mais forte entrou pela janela e tocou em sua face.

Ele sorriu. Deixando de escrever, aproximou-se da cortina. Olhou para o jardim e lá estava uma figura humana colhendo flores. Foi até ela que num primeiro instante se assustou.

-- Não tema – disse ele – você é bem vinda.

A menina mulher, ou mulher menina, era linda! Tinha ares de rainha.

Ela sorriu e murmurou:

-- Estou colhendo de suas flores.

-- Gosta de flores?

-- Gosto. Eu gosto de flores, gosto de músicas, gosto...

-- E gosta de conversar. - interrompeu arrependendo-se por não ter contido a emoção daquele encontro.

-- É! Gosto. Eu falo bastante.

-- Quer falar comigo? Eu quase não falo.

-- Você mora sozinho?

-- Não! Moro com personagens de outro plano.

-- Ah!

-- E você? Mora sozinha?

-- Não! Mas eu sou sozinha.

-- Ah!

Contam, mas não posso comprovar, que a mulher e o andarilho nunca mais deixaram de conversar e que sempre estão conversando no jardim. E que o jardim é encantado.
Se falam de amor não sei. Talvez sejam a personificação do amor.


Lembrei-me agora.
Dizem também que as uvas, que o rei sempre manteve com ele, eram lágrimas que aquela mesma mulher havia vertido em razão de momentos de dor em seu passado. As fadas as transformaram em cacho de um fruto delicioso que ele, rei, ofereceu inutilmente aos nobres que o procuravam tentando corrompê-lo. Foram aquelas uvas que o nitriram o tempo todo.

É claro que não direi se isso é verdade.

No mundo da fantasia não existem mentiras, mas estou escrevendo para muitas pessoas responsáveis pelo mundo real e objetivo.

CONTO ESCRITO PARA ALGUÉM MUITO ESPECIAL

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