quinta-feira, 4 de junho de 2009

O menino e o passarinho





O MENINO E O PASSARINHO

Um menino passava todo dia por uma rua calma, indo para a escola.

Naquela rua havia um muro que não era muito alto mas que era longo, quase tomava conta da quadra inteira. Pelo comprimento do muro o menino sabia que escondia um quintal imenso.

Todos os dias, passando por ali, o menino ouvia o gorjeio de um passarinho.
Era um canto tão bonito.

O menino estava aprendendo a assoviar com aquele incrível professor. Ensina sem querer ,e muito bem, quem vive o que ensina.

E o menino, que só ouvia o canto da ave, passou a sonhar com ela.

Sonhava acordado. Em pensamento via o passarinho colorido, feliz, cantando empoleirado. Em pensamento ele colhia delicadamente o passarinho em sua mão e o acariciava. Em pensamento ele implorava ao passarinho para que fosse dormir quietinho porque ele menino precisava fazer a lição. O menino, em seus momentos de solidão, no quintal da casa onde morava, falava com o passarinho que em sua mente respondia.

Nossa! Foram longos papos. Sonhos, aventuras na floresta, momentos de repouso junto a fontes de águas límpidas. Apostas de corridas.

Aqueles sonhos todos fizeram com que nascesse no coração da criança uma vontade impossível de conter.

A vontade ver o passarinho.

E aquela vontade foi crescendo e crescendo. E o menino imaginando como se aproximar, porque não desejava assustar. Queria apenas ver e estava preparado para vencer o desejo de oferecer o dedo para que a ave lhe viesse à mão.

Um dia ele não suportou aquele desejo e subiu no muro.

Primeiro foi difícil subir. Era preciso ter força nos bracinhos, ferir os joelhos raspando-os nos tijolos, e cuidar para não cair.

Chegou ao topo cansado, com o coração batendo forte na antecipação do prazer de ver a ave.

Mas o que viu o deixou muito penalizado. Havia um quintal grande e vazio de flores ou de frutos. Só existia terra nua, seca e partida, com trincas imensas, como as almas das pessoas que não recebem demonstrações de amor. E, pendurada em um pequeno poste, havia uma gaiola pequena. Dentro da gaiola, o passarinho preso.

Deus do céu! Que dor no coração!

O menino chorou impotente ali no muro, angustiado por se sentir muito pequeno para livrar o seu pequeno amor do cativeiro.

Ele nem foi para a aula. Voltou para casa e chorou escondido para não preocupar a mãe, a quem disse ao chegar que se sentira indisposto e não desejara ir à aula. Só isso já era motivo de sobra para se sentir culpado pela preocupação da mãe. Mas queria chorar e chorou escondido.

De tanto chorar, dormiu.

Quando acordou estava renovado. Tinha em mente uma forma de ajudar a ave.

-- Mamãe – disse ele – eu já volto.

-- Onde vai?

-- Vou pedir o caderno de um amigo e copiar as lições de hoje.

A mãe o abraçou emocionada. Ele quase contou a verdade, mas teve iniciativa. Disse:

-- No caminho vou ver aquele homem que gosta de passarinho.

Foi bater diretamente na porta daquele homem.

-- Olha – disse ele assim que o homem veio atender – Aquele passarinho está preso. Por que o senhor não abre a gaiola?

O homem sorriu, ofereceu doce, pediu para que entrasse.

-- Não! Eu não quero entrar. Quero que solte o passarinho.

O homem acocorou-se ao lado da criança. Disse calmamente:

-- Se soltar ele morre. Não o prendi. Alguém o prendeu e eu comprei porque gosto do canto. E ele pode morrer porque não sabe viver solto.

O tempo passou. O menino fez um pouco de amizade com o homem do passarinho. O homem o recebia, dava doce, oferecia refrigerante. O menino fazia de contas que não amava o passarinho. O homem nem desconfiava daquele amor proibido.

Então, houve um dia em que o homem cavou um poço no quintal. Um poço fundo, procurando água.

E lá estava o homem com uma picareta quebrando pedras para afundar ainda mais o poço.

Descia e subia por uma corda amarrada a um cavalete de madeira.

O menino, danadinho, soltou a corda que caiu sobre a cabeça do homem lá em baixo.

-- Hei! gritou o homem – Não pode fazer isso. Agora eu não posso mais sair daqui.

-- Mas eu não posso fazer nada – gritou o menino .

-- Claro de pode! - Ache um modo de me tirar daqui!

-- Vou pensar em um modo, pode deixar. Primeiro eu vou à aula. Depois a gente vê como fazer.

-- Nada disso! Chame seu pai, chame alguém.

-- Mas nem meu pai nem ninguém tem culpa. Eles não o prenderam aí e não podem fazer nada.
Depois que o homem passou bastante medo de permanecer no buracão e acabar morrendo de frio e de fome, o menino voltou da aula e pôs a cabecinha na boca do poço.

-- Oi! Esta me ouvindo?

O homem estava com todo o corpo dormente. Respondeu com voz sumida.

-- Achou uma corda?

-- Não!

-- Chamou seu pai?

-- Não!
-- Seu pilantra! Corra, vá chamar alguém.

-- Eu quero que solte o passarinho. Se prometer isso, chamo meu pai.

O homem prometeu e as coisas voltaram ao normal. O passarinho voou para cantar onde lhe viesse na cachola. Preferiu um bosque próximo, onde vive até hoje.
Mas a história não terminou.

O menino sentiu pena do homem que já não tinha o passarinho cantando no quintal.

Guardou moedinha por moedinha que ganhava dos avos e comprou um CD onde um repórter havia gravado os contos de muitos pássaros.

Bateu à porta.

O homem veio atender.

Recebeu o CD, abraçou o menino beijando e chorou emocionado.

Não estranhe que ele tenha chorado.

De amor a gente também chora. E ele aprendeu a amar aquela criança levada da breca.


escrito para minha parceira Janaina

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