REENCONTRO
(Texto de Avelino F Menck)
Gentilmente cedido para Venturas do Viver)
Subia apressadamente a rua em direção à Sabesp. O aclive em curva ainda é bem acentuado. À medida que andava, vinham-lhe à mente recordações do tempo de adolescência. A única piscina da cidade, a do Dr. Arruda tão bem cuidada pelo sr Romão, ficava perto de onde ele estava.
Com o sr. Romão, as lembranças de um incidente: brincando na piscina, a imagem vem-lhe bem clara,salvara a vida de uma menina, também, adolescente. Linda menina, mas o nome não lembrava, só que era "de fechar o comércio" como se dizia à época.
Tentou apagá-las pois não havia tempo para isso. Tinha uma obrigação, hora marcada, por isso a pressa. Contudo, a emoção provocada foi muito forte.
A garganta ressequida, muito calor, a dor repentina, o braço já um tanto dormente. Seu médico já o avisara: "O coração já não anda lá essas coisas! Cuidado!"
O trabalho. A hora. Atrasado.
Solteiro vivia só desde que perdera os pais. Não se cuidava. Não tinha o porquê! Mas a dor! Esta aumentava naquele momento. "Dói, coração!Calejado...mas humano" dizia para si. A falta de ar. O peito arrebentando. O antebraço latejando muito. Sentou-se na calçada. Já não enxergava mais nada. Parecia ouvir vozes muito ao longe. Seriam sirenes?
Acordou em lugar completamente estranho. Uma mulher de branco. Uma vaga lembrança. Seria Médica?
— "Não se recorda de mim, Padre"?
"Padre"...poucos o chamavam assim na juventude. Fora coroinha no tempo do Padre Celso, daí o cognome. Mas ela, ela sim, sempre o chamara pelo apelido.
"Heliena! menina que salvara na piscina. Sua eterna paixão. A neta do Sr. Romão!
Felizes, riram muito ,e, entre recordações e carinhos: abraços e muitos beijos.
O fim de um longo celibato.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Seu “ Bau”
SEU 'BAU'
(Texto de Avelino Fernando Menck para Venturas do Viver)
Ao Sr. Bráulio Camargo de Freitas, amigo da família
" E viva Getúlio Vargas"
Eram as palavras finais de Seu “Bau” após um grande discurso que às vezes, durava horas.
Diga-se que os pronunciamentos atuais de um Fidel ou de um Chaves, são semelhantes ao antigo palavreado daquele velho amigo.
Pedreiro de profissão. Vivia em nossa casa, no sítio, como agregado, às vezes fazendo-se de cozinheiro de meu pai quando minha mãe precisava ficar conosco na cidade.
Sempre bebia- (síndrome dos antigos profissionais?) e quando o fazia, iniciava as falas sempre em defesa de seu maior ídolo. .Ninguém quase o ouvia.
Mas, no dia 24 de Agosto de 1954 foi diferente.
Bêbado, em pé, no alto do calçadão em frente a estrada no antigo armazém de meu pai, encostado à parede, defendia mais uma vez o governo Vargas.No início, apenas eu o escutava e por isso chamou-me para perto de si, abraçou-me e sem que eu esperasse, deu-me um beijo na testa. Quis fugir, contudo, sentindo pena, ali permaneci ouvindo-o.
Em suas explanações explicava os atos do grande presidente: voto da mulher, a proibição do trabalho para o menor de 14 anos, a lei do salário mínimo, e, detalhava passo a passo os efeitos produzidos pela legislação trabalhista da época.
Em pouco tempo eu não era o único a ouvi-lo. Juntou-se a mim um pequeno amigo de folguedos, seu pai em seguida e mais um ouvinte e mais outros. Em meia hora aglomerava-se pequena platéia, cerca de vinte pessoas, que já impedíamos o tráfego na estreita estrada de terra que ligava S. Paulo ao norte do Paraná.
Parou o primeiro caminhão de transportes. Buzinou. As pessoas entorpecidas pelo palavreado do orador não saíram. Seu Bau bradava e ao mesmo tempo despejava lágrimas, lembrando também de seu irmão Lauri, pracinha da segunda guerra, o que comovia as pessoas que o ouviam
Parou outro caminhão em sentido contrário e mais um e outro e outro mais. Os motoristas desciam e se juntavam à pequena multidão e também o aplaudiam, comovidos pelo inusitado da cena.
Seu Bau discursava. Falava que falava e se emocionava contagiando a platéia que nunca fora tão numerosa até então.
Meu pai fechou as portas do armazém e se juntou a nós tentando entender como acontecera aquilo tudo. Seu João, funcionário no armazém, ficara para ouvir no velho rádio à bateria (carregada com energia eólica) as últimas notícias do dia. Em seguida, meio apavorado, juntou-se à multidão e anunciou: ”Bau, seu presidente suicidou-se esta madrugada”.
Percebi a lividez da face do velho homem que parara de falar e levantando os olhos para os céus balbuciou: ”Que Deus o tenha!”. Levou a mão direita ao peito, sobre o coração e com sua voz um tanto rouca começou a cantar o Hino Nacional, ato seguido por nós todos, até o finalzinho sem o menor deslize: ”...és mãe gentil. Pátria amada. Brasil!”
A emoção fora grande demais para aquele simples homenzinho.
Levou a outra mão também ao peito e num gemido muito forte tombou na calçada, já sem vida.
(Texto de Avelino Fernando Menck para Venturas do Viver)
Ao Sr. Bráulio Camargo de Freitas, amigo da família
" E viva Getúlio Vargas"
Eram as palavras finais de Seu “Bau” após um grande discurso que às vezes, durava horas.
Diga-se que os pronunciamentos atuais de um Fidel ou de um Chaves, são semelhantes ao antigo palavreado daquele velho amigo.
Pedreiro de profissão. Vivia em nossa casa, no sítio, como agregado, às vezes fazendo-se de cozinheiro de meu pai quando minha mãe precisava ficar conosco na cidade.
Sempre bebia- (síndrome dos antigos profissionais?) e quando o fazia, iniciava as falas sempre em defesa de seu maior ídolo. .Ninguém quase o ouvia.
Mas, no dia 24 de Agosto de 1954 foi diferente.
Bêbado, em pé, no alto do calçadão em frente a estrada no antigo armazém de meu pai, encostado à parede, defendia mais uma vez o governo Vargas.No início, apenas eu o escutava e por isso chamou-me para perto de si, abraçou-me e sem que eu esperasse, deu-me um beijo na testa. Quis fugir, contudo, sentindo pena, ali permaneci ouvindo-o.
Em suas explanações explicava os atos do grande presidente: voto da mulher, a proibição do trabalho para o menor de 14 anos, a lei do salário mínimo, e, detalhava passo a passo os efeitos produzidos pela legislação trabalhista da época.
Em pouco tempo eu não era o único a ouvi-lo. Juntou-se a mim um pequeno amigo de folguedos, seu pai em seguida e mais um ouvinte e mais outros. Em meia hora aglomerava-se pequena platéia, cerca de vinte pessoas, que já impedíamos o tráfego na estreita estrada de terra que ligava S. Paulo ao norte do Paraná.
Parou o primeiro caminhão de transportes. Buzinou. As pessoas entorpecidas pelo palavreado do orador não saíram. Seu Bau bradava e ao mesmo tempo despejava lágrimas, lembrando também de seu irmão Lauri, pracinha da segunda guerra, o que comovia as pessoas que o ouviam
Parou outro caminhão em sentido contrário e mais um e outro e outro mais. Os motoristas desciam e se juntavam à pequena multidão e também o aplaudiam, comovidos pelo inusitado da cena.
Seu Bau discursava. Falava que falava e se emocionava contagiando a platéia que nunca fora tão numerosa até então.
Meu pai fechou as portas do armazém e se juntou a nós tentando entender como acontecera aquilo tudo. Seu João, funcionário no armazém, ficara para ouvir no velho rádio à bateria (carregada com energia eólica) as últimas notícias do dia. Em seguida, meio apavorado, juntou-se à multidão e anunciou: ”Bau, seu presidente suicidou-se esta madrugada”.
Percebi a lividez da face do velho homem que parara de falar e levantando os olhos para os céus balbuciou: ”Que Deus o tenha!”. Levou a mão direita ao peito, sobre o coração e com sua voz um tanto rouca começou a cantar o Hino Nacional, ato seguido por nós todos, até o finalzinho sem o menor deslize: ”...és mãe gentil. Pátria amada. Brasil!”
A emoção fora grande demais para aquele simples homenzinho.
Levou a outra mão também ao peito e num gemido muito forte tombou na calçada, já sem vida.
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Marta
MARTA
Em nossa casa a primeira pessoa a pronunciar o nome de Marta foi minha mãe. Da janela, de onde me descrevia as alterações ao redor, disse que a frente da casa tinha agora a cor verde. Perguntei se gostaríamos do verde e ela, curvando-se ao meu lado, disse num sorriso triste:
— A casa foi alugada. A nova moradora nos mostrará se gostaremos ou não da nova cor.
— Quem alugou a casa?
— O nome dela é Marta!
Quase todas as informações eram colhidas no ponto de ônibus ou na mercearia. Nosso bairro era antigo, distante, e estava contaminado por uma febre que já havia levado dali os moradores tradicionais. Onde no passado os imigrantes jogaram os alicerces das primeiras casas de nossa cidade, as máquinas, aplainando, criaram um vasto campo desolado para a construção do aeroporto. Enfrentando um processo de desapropriação injusto os moradores arribaram para locais ainda mais distantes. Nós permanecemos ali porque minha mãe não queria morrer em outro lugar.
Minha irmã não havia voltado para a casa da patroa. Do quarto disse qualquer coisa que não entendi direito. Ela agredia resmungando e em geral muito zangada. Depois minha mãe disse a ela que talvez Marta soubesse que o bairro estava condenado. Teria alugado a casa por pouco tempo.
A patroa de minha irmã a cobria de mimos. Fazia dela a beneficiária das roupas da filha, quase sem uso, e a ela vendia pela metade do preço algumas utilidades ainda na embalagem original. Minha mãe tentava ensinar lealdade à minha irmã fazendo notar que não era justo vir por uma noite e não voltar ao trabalho na manhã seguinte. Dava de ombros, insistia em lembrar seu desejo de trabalhar no comércio, transformar-se em balconista, esquecer para sempre que fora doméstica. Eu torcia francamente por ela, o meu coração ficava bastante oprimido em razão daquela forma de pensar de minha mãe. A nossa lealdade para com os que possuíam alguma coisa nunca fora até então correspondida e embora a patroa de minha irmã fosse um tipo mão aberta, o seria enquanto lhe interessassem os préstimos da empregadinha. Eu também sonhava com o dia em que minha irmã pudesse ir linda para o trabalho, produzida como nas noites em que saia para dançar.
Marta estava produzida quando a vi pela primeira vez na moldura da porta de nossa casa. E esteve produzida todas as vezes que dali para frente a vi.
Apareceu mais amiúde depois que minha irmã deixou de vir por uma noite ou duas seguidas. Depois da segunda semana minha mãe se pôs aflita. Marta saiu com ela dali para frente enquanto havia esperança de encontrarem minha irmã em algum hospital, alguma delegacia de polícia, algum antro. Depois foi com minha mãe procurar por minha irmã no necrotério.
Marta apreciava o infinito. No imenso descampado feito pelas máquinas para a construção do aeroporto, punha-me no chão, sentava-se ao meu lado nas noites cálidas enfeitadas por estrelas. Dizia que muitos daqueles pontinhos de luz provinham de corpos luminosos que há milhares de anos já não existiam.
— Lá você está vendo uma coisa que não existe!
— Como não existe se estou vendo?
— Está vendo somente o efeito. Somente a luz que um dia se produziu no universo. A luz que por muito, muito tempo ainda, continuará orientando os caminhantes por terras e por mares.
Foi Marta quem mais se alegrou quando ganhei minha cadeira de rodas. Mais até do que minha mãe, que ao longo da vida o que mais fez foi chorar.
— Agora você pode aprender a usar as mãos movendo as rodas de sua liberdade de ir e vir – disse-me Marta ao me por sobre a cadeira.
E eu, que nasci sem minhas duas pernas, deixei de ser um toco de gente.
Ainda vejo Marta quando vejo o verde. Amo essa cor.
E ainda é a luz de Marta quem me orienta e conduz.
Em nossa casa a primeira pessoa a pronunciar o nome de Marta foi minha mãe. Da janela, de onde me descrevia as alterações ao redor, disse que a frente da casa tinha agora a cor verde. Perguntei se gostaríamos do verde e ela, curvando-se ao meu lado, disse num sorriso triste:
— A casa foi alugada. A nova moradora nos mostrará se gostaremos ou não da nova cor.
— Quem alugou a casa?
— O nome dela é Marta!
Quase todas as informações eram colhidas no ponto de ônibus ou na mercearia. Nosso bairro era antigo, distante, e estava contaminado por uma febre que já havia levado dali os moradores tradicionais. Onde no passado os imigrantes jogaram os alicerces das primeiras casas de nossa cidade, as máquinas, aplainando, criaram um vasto campo desolado para a construção do aeroporto. Enfrentando um processo de desapropriação injusto os moradores arribaram para locais ainda mais distantes. Nós permanecemos ali porque minha mãe não queria morrer em outro lugar.
Minha irmã não havia voltado para a casa da patroa. Do quarto disse qualquer coisa que não entendi direito. Ela agredia resmungando e em geral muito zangada. Depois minha mãe disse a ela que talvez Marta soubesse que o bairro estava condenado. Teria alugado a casa por pouco tempo.
A patroa de minha irmã a cobria de mimos. Fazia dela a beneficiária das roupas da filha, quase sem uso, e a ela vendia pela metade do preço algumas utilidades ainda na embalagem original. Minha mãe tentava ensinar lealdade à minha irmã fazendo notar que não era justo vir por uma noite e não voltar ao trabalho na manhã seguinte. Dava de ombros, insistia em lembrar seu desejo de trabalhar no comércio, transformar-se em balconista, esquecer para sempre que fora doméstica. Eu torcia francamente por ela, o meu coração ficava bastante oprimido em razão daquela forma de pensar de minha mãe. A nossa lealdade para com os que possuíam alguma coisa nunca fora até então correspondida e embora a patroa de minha irmã fosse um tipo mão aberta, o seria enquanto lhe interessassem os préstimos da empregadinha. Eu também sonhava com o dia em que minha irmã pudesse ir linda para o trabalho, produzida como nas noites em que saia para dançar.
Marta estava produzida quando a vi pela primeira vez na moldura da porta de nossa casa. E esteve produzida todas as vezes que dali para frente a vi.
Apareceu mais amiúde depois que minha irmã deixou de vir por uma noite ou duas seguidas. Depois da segunda semana minha mãe se pôs aflita. Marta saiu com ela dali para frente enquanto havia esperança de encontrarem minha irmã em algum hospital, alguma delegacia de polícia, algum antro. Depois foi com minha mãe procurar por minha irmã no necrotério.
Marta apreciava o infinito. No imenso descampado feito pelas máquinas para a construção do aeroporto, punha-me no chão, sentava-se ao meu lado nas noites cálidas enfeitadas por estrelas. Dizia que muitos daqueles pontinhos de luz provinham de corpos luminosos que há milhares de anos já não existiam.
— Lá você está vendo uma coisa que não existe!
— Como não existe se estou vendo?
— Está vendo somente o efeito. Somente a luz que um dia se produziu no universo. A luz que por muito, muito tempo ainda, continuará orientando os caminhantes por terras e por mares.
Foi Marta quem mais se alegrou quando ganhei minha cadeira de rodas. Mais até do que minha mãe, que ao longo da vida o que mais fez foi chorar.
— Agora você pode aprender a usar as mãos movendo as rodas de sua liberdade de ir e vir – disse-me Marta ao me por sobre a cadeira.
E eu, que nasci sem minhas duas pernas, deixei de ser um toco de gente.
Ainda vejo Marta quando vejo o verde. Amo essa cor.
E ainda é a luz de Marta quem me orienta e conduz.
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