Montagem e formatação reginaLUTubes de Mou e Luz Cristina, recebidos em grupos de trocas.
RAIO DE SOL
A menina nasceu saudável, corada, bonita, amável e esperta. Nas famílias do pai e da mãe era carinhosamente chamada de ‘Raio de Sol’.
Nasceu quando o pai já não tinha nem a avó, nem a mãe, das quais lhe vieram ao longo da vida as satisfações de suas vontades e os recursos para os supérfluos. Mesmo sem elas, ele pretendeu permanecer com suas atitudes habituais.
Era como que incapaz de entender que as coisas não caem do céu. Tinha curso universitário e sociedade em um consultório onde mantinha a agenda folgada. Cumpria um expediente vespertino duas vezes por semana reservando assim o tempo para as partidas de golfe e os passeios, no carro da esposa, agradando amigas. Acostumado a ter quem lhe provir nos apertos não ficava sem os últimos lançamentos; calçados, roupas, perfumes, produtos eletrônicos.
A esposa obtinha certa renda mensal em seu consultório e suportava quase todas as despesas necessárias para a manutenção da família. Conseguia compreender a instabilidade em que se afundara o marido após a perda da mãe e da avó. Compreendia a indecisão que o dominava em relação à profissão abraçada. Ela o apoiava em seu desejo de cursar nova faculdade habilitando-se assim a uma profissão que lhe fosse mais apropriada. Cuidava de Raio de Sol, clinicava, cuidava dos afazeres domésticos e cuidava do marido aconselhando e procurando mantê-lo entusiasmado, na esperança de que ele pudesse superar as deficiências de formação. E cuidava com denodo da cadelinha, que era dele e que a ele viera por morte da avó.
A taça transbordou quando a menina estava com três aninhos. A mãe simplesmente arrumou as malas endereçando-as à casa de sua mãe, e saiu com filha. Ligou para o marido intimando-o a cuidar da cachorra que ficara na casa, sozinha. Ele imediatamente se desfez do animal, presenteando alguém.
Houve a separação judicial e a divisão dos bens.
Ele, em seguida, entrou em processo de depressão, desejando morar na nova residência da esposa, um pequeno apartamento. Manteria seu velho padrão safando-se das responsabilidades, livrando-se, inclusive, do pagamento da pensão à filha a que a justiça o obrigara.
Ela não aceitou. E por mais de uma vez, sem se preocupar em se a filha estava ou não ouvindo, confessou a amigas o desejo de criar coragem para entregar a menina ao pai.
-- A escolinha dela vai fechar. – disse – E eu não terei condições de matriculá-la em outro estabelecimento em razão dos novos preços.
Com apenas cinco aninhos, Raio de Sol trazia uma série de experiências de desamor. A professora a viu sentadinha sobre uma taipa de cimento, em um espaço do pátio da escola. Afastada de todos, não estava chorando. Parecia alheia ao mundo ao seu redor. Traumatizada.
Aproximando-se, a mestra procurou ser gentil e maternal.
-- O que será que aconteceu? Não quer brincar com as coleguinhas? – perguntou acocorando-se diante da garota.
-- Não!
-- Está com alguma dor?
-- Não!
-- Quer me contar o que está acontecendo?
-- Não! Quando a escola vai fechar?
-- Ah! Não se preocupe com isso. Vai fechar quando terminar o ano letivo. Você vai para outra escola que pode ter um parquinho novo. Vai fazer novas amizades.
-- Não! Mamãe disse que não pode pagar.
-- Pode sim. Ela vai dar um jeito e tudo vai dar certo.
-- Mamãe vai me deixar no apartamento e telefonar para meu pai. Igual fez quando deixou a cachorrinha.
Os olhinhos de Raio de Sol marejaram.
-- Não tem perigo, Imagine. Isso não vai acontecer. – disse a professora encorajando.
-- Vai. Mamãe vai me deixar lá e ligar para o pai. E ele vai me dar a alguém. Do mesmo jeito que fez com a cachorrinha.
Emocionada a professora abraçou a menina. Naquele momento não podia ter chorado, mas choraram juntas.
O Sol estremeceu nas alturas e seus raios de ira tornaram insuportável a permanência delas naquele espaço tão amplo, onde naquele momento não havia o menor sinal de uma brisa refrescante.
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